Impasse na guerra da Ucrânia gera incredulidade e impaciência na Rússia

Um analista que antes da invasão previu que as tropas russas não seriam recebidas com flores diz que a Rússia está “em total isolamento geopolítico” e que “é preciso resolver a situação”. Outros comentadores criticam as chefias militares.

Foto
EPA/RUSSIAN DEFENCE MINISTRY PRESS SERVICE/HANDOUT HANDOUT

Tatiana Efremenko está há um mês sem respostas. O filho, Nikita, era um dos soldados que estava a bordo do cruzador Moskva quando este se afundou no Mar Negro, em meados de Abril, depois de os ucranianos terem reivindicado um ataque com mísseis ao navio.

“Ninguém me diz nada. Pediram-me que assinasse um documento segundo o qual aceito que o meu filho morreu e que depois me vão compensar pela sua morte”, relatou a mulher de 39 anos ao The Guardian. “Estão a tentar comprar o meu silêncio, mas isso não vai acontecer. Vou procurar o meu filho até ao fim.”

Tatiana diz ao jornal britânico que “vê o [seu] governo de uma forma totalmente diferente desde que a guerra começou” e que teria “coisas muito duras” para dizer, mas que não o faz por medo de ir parar à cadeia. Tem muitas dúvidas, no entanto. O que aconteceu ao seu filho? “Porque é que havia conscritos [soldados recrutados involuntariamente] lá [no Moskva]? Porque é que estavam a lutar? Ninguém me sabe responder a isto.”

Não é a única mãe russa que procura notícias sobre os filhos enviados para combater na Ucrânia. Desde o início da invasão, a 24 de Fevereiro, a Rússia admitiu a morte de 1351 dos seus soldados, mas Kiev diz ter as morgues cheias de corpos não reclamados e assegura que mais de 30 mil russos morreram em combate.

Só a bordo do Moskva estavam 500 soldados, cujo destino se desconhece. Moscovo disse que a explosão do navio provocou uma morte e que 27 pessoas estão desaparecidas, mas são dezenas as famílias que dizem não ter informações. “Nós, pais, apenas estamos interessados no que aconteceu aos nossos filhos: porque é que eles, sendo conscritos, estavam nesta operação militar?”, questionou-se ao The New York Times o pai de um soldado, Dmitri Shkrebets.

Apesar de os protestos contra a invasão ou simplesmente em busca de notícias de familiares não acontecerem em larga escala – a repressão do Kremlin aumentou com o início da guerra e já foram detidas mais de 15 mil pessoas desde Fevereiro –, começam a surgir sinais de impaciência até mesmo entre os apoiantes da ofensiva.

O coronel na reforma Mikahil Khodarenok, que faz comentário militar na televisão estatal russa, alertou esta segunda-feira em horário nobre que “o maior problema da situação política e militar é o total isolamento geopolítico” da Rússia e que “é preciso resolver a situação”.

“A situação não é normal. No que à China e à Índia diz respeito, o seu apoio para connosco não é assim tão incondicional. Quando contra nós temos uma coligação de 42 países e quando os nossos recursos militares, políticos e técnicos são limitados, a situação não é normal, e de uma forma ou de outra temos de resolver isto”, declarou Khodarenok.

Este militar na reforma escreveu no início de Fevereiro, três semanas antes de a invasão começar, que ela não seria o passeio que muitos em Moscovo antecipavam. “Pensar que ninguém na Ucrânia vai defender o regime representa uma completa ignorância da situação político-militar e do sentimento da maioria da população no país vizinho”, argumentou então. “Ninguém vai receber as tropas russas com pão, sal e flores na Ucrânia”, prognosticou.

Nos últimos dias, perante a desastrada tentativa de atravessar o Rio Donets em Bilohorivka, que permitiria aos soldados russos cercar as tropas ucranianas junto a Severodonetsk, foram vários os analistas militares russos com blogues e contas de Telegram que se mostraram críticos da actuação do seu exército. “Já disse várias vezes o que é que precisa de ser feito na actual conjuntura, quando se tornou claro que as nossas forças são incapazes de provocar sequer uma pequena derrota no inimigo em combate e quando nos devemos preparar para uma guerra de larga escala, prolongada e difícil”, afirmou Igor Girkin, um militar russo.

Outro analista, Iuri Podoliaka, que diz ter perdido a paciência para com “a estupidez do comando russo”, afirmou: “Eu compreendo que é impossível não haver problemas numa guerra. Mas quando os mesmos problemas se arrastam há três meses e nada parece mudar, então eu e milhões de cidadãos da Federação Russa começamos a questionar-nos sobre os líderes da operação militar.”

Sugerir correcção
Ler 38 comentários