Dúvida: os pneus velhos são mesmo reciclados?

Mais da medade dos pneus recolhidos em Portugal são transformados em pavimentos de borracha para parques inafntis ou utilizados em relvados sintéticos. Também poderiam dar origem a misturas betuminosas para forrar mais rodovias – mas, em Portugal, este uso ainda não está tão disseminado como poderia estar.

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Karim Manjra/Unsplash

Quase 60% dos pneus usados que chegaram aos centros de recolha em Portugal em 2020 foram reciclados, indicam os dados mais recentes da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Estes resíduos são normalmente transformados em pavimento para parques infantis ou utilizados, numa versão granulada, em relvados sintéticos para a prática de desporto. Também podem dar origem a placas para isolamento acústico ou a misturas betuminosas para forrar rodovias – mas, em Portugal, estes usos ainda não parecem estar tão disseminados como poderiam estar.

“Nós achamos que Portugal deveria apostar no uso deste material para o pavimento das estradas, mas, infelizmente, a aplicação no país ainda é muito pequena”, lamenta Rui Berkemeier, membro da associação Zero. O ambientalista sublinha as vantagens do betume modificado: a inclusão da borracha na mistura “diminui o custo” de produção e “reduz o ruído” e os salpicos de água resultantes da circulação rodoviária. “Há não só benefícios técnicos, mas também ambientais, pois a mistura betuminosa reduz o consumo de produtos petrolíferos”, acrescenta.

Climénia Silva, directora da Valorpneu – a empresa portuguesa que gere os sistemas de recolha e encaminhamento deste sector –, concorda que o país deveria apostar mais na transformação dos pneus em misturas betuminosas. A inclusão da borracha no pavimento das rodovias, explica a responsável, confere ao revestimento “maior durabilidade” e “resistência à deformação”. “Andámos há muitos anos a tentar que seja um destino final com mais força em Portugal. Há em toda a Europa uma indústria que já está organizada para utilizar os métodos tradicionais [de pavimentação das estradas], são interesses que parecem que já estar instalados”, afirma Climénia Silva.

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Destino dos pneus usados em Portugal em 2020 Fonte: Agência Portuguesa do Ambiente

Existe no país uma rede de 52 centros de recepção de pneus usados. Estes locais acolhem gratuitamente estes resíduos e, depois, é determinado o seu destino final. Além da reciclagem, podem ser encaminhados para a valorização energética. Em 2020, 36% dos pneus recolhidos pela Valorpneu foram queimados (com recuperação de energia). “Esta é a parte negativa [para o ambiente]”, avalia Berkemeier. Para a Zero, este volume utilizado nas incineradoras poderia estar, por exemplo, a forrar as estradas portuguesas. “Mas isso não muda algo positivo: a recolha dos pneus no país é muito boa”, elogia o ambientalista.

Os indicadores de desempenho do sector dos pneus em 2020 falam por si: a meta era de 96% e o resultado foi de 111%. “É, de facto, uma das boas fileiras”, reconhece Climénia Silva. O sucesso explica-se em grande parte pelo facto de, na hora da trocar de pneus, os consumidores confiarem os resíduos às oficinas automóveis. Estas, por sua vez, asseguram o transporte até aos centros de recepção.

Contudo, como é possível alcançarmos uma taxa de valorização superior a 100%? Climénia Silva aventa três hipóteses. A primeira está ligada à responsabilidade alargada do produtor: se quem produz declara uma quantidade menor do que aquela que, de facto, entra no mercado, então as contas não vão bater certo na hora de contabilizar os pneus recolhidos. A segunda possibilidade prende-se com o comércio on-line, que ainda não está suficientemente regulado neste capítulo. Por fim, há um “mercado paralelo” onde são negociados produtos que escapam ao circuito tradicional. Estes três cenários conjugados podem talvez explicar como é possível valorizarmos em Portugal mais pneus do que aqueles que, em teoria, chegaram ao mercado.

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