Expansão chinesa: uma séria distracção?

A inclusão expressa do porto de águas profundas de Sines na estratégia de Pequim, entre outros projectos de interesse fulcral para Portugal, deverá ser doravante alvo de uma atenção especialíssima por parte das instituições políticas nacionais.

O estudo da variância configura-se como um dos marcos do processo científico. No quadro específico das Relações Internacionais tal reporta-se à identificação de eventuais descontinuidades no sistema internacional. A ponderação da ascensão da China marcada por iniludíveis ambições expansionistas, tanto no plano geoeconómico e comercial como no plano estratégico e militar – já definida como sino-globalização – é urgente e requer uma reflexão criteriosa. Dado o contexto da repugnante agressão à Ucrânia empreendida pelo Kremlin, esta referência poderia parecer algo incongruente. Ao invés, a guerra em curso oculta o problema maior das ambições hegemónicas de uma China que se perfila como o verdadeiro “outsider” desta crise - uma séria distracção.

No esforço de interpretação dos factores de mudança internacional e da crescente sensação de incerteza, como o tempo presente, é fundamental a operacionalização de quadros conceptuais apurados. Num propósito ambicioso, a revista R:I do Instituto Português de Relações Internacionais (n.º 71), que tivemos ensejo de coordenar, dedica seis contributos relevantes que exploram diferentes aspectos e dimensões da actual conjuntura internacional, fortemente caracterizada pela expansão da China que tem a intenção manifesta de se tornar a potência dominante, mas que questiona o enunciado e a estabilidade de um mundo aberto marcado pelo advento da democracia, pela liberdade de navegação e pela livre circulação de bens ao longo dos últimos setenta e sete anos.

Independentemente da diversidade de perspectivas e correspondentes proposições exploradas pelos autores e investigadores da área científica das Relações Internacionais, oriundos de várias universidades portuguesas, a conclusão central aponta para a ideia de que o actual sistema internacional terá entrado já numa nova era de contenção estratégica.

Entre outras dimensões de análise, ali se explora a construção de problemáticas racionais sobre a expansão da China, onde se destacam questões centrais que respeitam às transições hegemónicas e à chamada “armadilha de Tucídides” - ideia de que o expansionismo comercial e militar de uma potência ascendente provoca um manifesto receio de desvantagem no Estado até então hegemónico, dinâmica que faz aumentar exponencialmente a probabilidade de guerra. Refere-se, nomeadamente, que o actual subsistema internacional do Indo-Pacífico reedita, em grande medida, a Europa da balança do poder do século XIX e dos princípios do século XX, onde o dilema de segurança é um factor central. Tal como se verificava no referido período, que desembocaria na I Guerra Mundial, a probabilidade de conflitos naquela macrorregião não é de todo uma impossibilidade, “alimentada” por factores e focos de tensão de grande instabilidade – casos mais prementes da península coreana, de Taiwan, e dos mares do sudeste asiático. Como Metternich postulou, a manutenção da balança de poder regional num sistema de potências constitui a única garantia real de paz e segurança internacionais, dinâmica essa que tem impedido, aliás, a imperialização da arena internacional.

Na exploração dos processos de mudança, perceptíveis no actual cenário em fluxo, é conferida especial relevância à questão de saber como irá evoluir o sistema internacional de estabilidade estrutural - de cariz aberto - protagonizado principalmente pelos Estados Unidos e pelos seus Aliados e que tem, para todos os efeitos, assegurado a liberdade de comércio nos oceanos desde o final da II Guerra Mundial. A formulação da estratégia chinesa conhecida como Iniciativa do Cinturão e Rota, expressão em si mesma suspeita, articulada exclusivamente em função de um único centro – Pequim – traduz uma lógica de perfil claramente expansionista e imperial.

No caso da economia portuguesa, que patenteia no conjunto da União Europeia um dos mais altos índices de penetração da China (um Estado não-democrático, sublinhe-se), com especial incidência no sector-chave das infraestruturas eléctricas, os estudos referem que tal situação pode afectar seriamente a autonomia estratégica do nosso país, aumentando a sua vulnerabilidade potencial. Considera-se mesmo que tais desenvolvimentos configuram erros estratégicos sem paralelo no passado. A inclusão expressa do porto de águas profundas de Sines na estratégia de Pequim, entre outros projectos de interesse fulcral para Portugal, deverá ser doravante alvo de uma atenção especialíssima por parte das instituições políticas nacionais. Dado o seu importante contributo para a análise e dilucidação daquele que constitui um dos grandes dilemas internacionais do presente século, a publicação vai ser editada igualmente em língua inglesa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar