Canadiano é a língua do Canadá

Ao contrário do que muitos pensam, é preciso afirmar que as diferenças não destroem a língua pátria, mas, pelo contrário, ampliam o repertório linguístico e fortalecem o vernáculo no cenário mundial.

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Canadiano é a língua do Canadá e o americano é a dos Estados Unidos. E os leitores devem pensar que sou, no mínimo, burro. Afinal, todos sabem que a língua oficial daqueles países é o inglês. Um inglês muito diferente daquele falado em Inglaterra, mas, definitivamente, inglês. Como língua internacional, tão importante para as trocas económicas, culturais e científicas, pouco importa qual variedade falamos. É inglês e ponto final.

No entanto, se utilizarmos o caso da língua inglesa como metáfora para reflectirmos sobre o nosso idioma, o pensamento parece mudar um bocadinho. Ora, quem ainda não usou, ou pelo menos ouviu, o termo “brasileiro” em referência à língua do Brasil? Se é tão absurdo afirmar que o canadiano é a língua do Canadá, porque não o é com o idioma da antiga colónia? A resposta é simples: existe desconhecimento e preconceito linguístico.

Ao contrário do que muitos pensam, é preciso afirmar que as diferenças não destroem a língua pátria, mas, pelo contrário, ampliam o repertório linguístico e fortalecem o vernáculo no cenário mundial. As línguas mudam, transformam-se, mesclam-se, enamoram-se de outras, produzem filhos. Sempre foi assim, caso contrário estaríamos ainda a falar o latim. Imaginar que uma língua é homogénea, isenta de transformações advindas de aspectos geográficos, históricos e socioculturais é uma ilusão. Com este mito de unidade e constância da língua, e na busca vã de protegermo-nos das mudanças, construímos barreiras identitárias para demarcar aquilo que consideramos “nosso” daquilo que julgamos “do outro”. E esse outro é, geralmente, errado, esquisito, absurdo (e podem acrescentar todos os depreciativos que lhes convêm). A base do pensamento nazista é o mito de uma raça pura e superior. Pensar que apenas uma variedade da língua seja a mais genuína (razão pela qual se devem evitar os contágios desse vírus mortal chamado diversidade) não é muito diferente. Preparem as câmaras de gás, pois lá vêm os imigrantes sujar nosso idioma (como se a língua não lhes pertencesse também).

Estou a ser radical? De maneira alguma. Basta lembrarmos as discussões recentes sobre a incorporação de “brasileirismos” na fala dos nossos miúdos. Ora, pois. Devemos proibir que nossos filhos convivam com os estrangeiros falantes de versões impuras da nossa língua — um arremedo da sintaxe lusitana. Melhor mesmo será banir os vídeos do YouTube falados em “moçambicano” ou “brasileiro”! Outro exemplo pode ser lido na recente publicação da BBC, em que são relatados casos de xenofobia contra brasileiros. E a língua é um dos alvos deste ataque.

A comunidade anglófona há tempos percebeu que promover a língua inglesa, com sua diversidade, era importante para os mercados. Ainda que haja políticas neste sentido entre os países de língua oficial portuguesa, seguimos, na ordem dos dias, com a briga fútil sobre a nova ortografia, com a mesquinha competição para definir quem perdeu mais. O que se perde, na verdade, é a oportunidade de fortalecer a lusofonia como estratégia de política cultural. E o primeiro passo para isso é reconhecer, incluir e valorizar a diversidade nos modos de ser e estar na língua portuguesa.

Para finalizar esta crónica, compartilho mais alguns questionamentos: será que algum dia conseguiremos perceber que a língua portuguesa é de todos, e que a “deles” também é a nossa? Se não mudarmos nossa lógica de pensamento, perpetuaremos o preconceito linguístico, que é uma das faces violentas da discriminação social.

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