Bairro do Cerco no Porto está em estado de alerta e alguns estão a formar uma espécie de resistência

Não é claro se pessoas ligadas a jovem morto nos festejos do novo título do F.C. Porto quererão vingar-se ou tentar forçar pai de suspeito a entregar-se.

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Igor Silva foi esfaqueado na madrugada de domingo Paulo Pimenta

O receio cala muitos dos que vivem no Bairro do Cerco, onde cresceu o rapaz de 19 anos suspeito de ter matado Igor Silva, enquanto parte da cidade festejava o título de campeão nacional do F.C. Porto. Perante a ameaça de quem chora a morte do jovem de 26 anos, uns poucos organizam uma espécie de resistência.

O medo adensou-se neste que é um dos territórios mais acossados do Porto. Mesmo sob anonimato, poucos se atrevem a falar sobre o conflito que opunha o grupo que teria por hábito parar num estabelecimento da Praça da Corujeira, na zona Oriental do Porto, e o grupo do rapaz residente no Bairro de Ramalde, que faz vida no outro lado da cidade, na zona Ocidental.

Tudo terá começado em Janeiro, num bar de shisha e tapas do Porto, com um irmão de Igor e o pai do rapaz que esta semana foi indiciado pela sua morte. Desde esse primeiro desentendimento, houve vários confrontos, que envolveram familiares e amigos de um lado e de outro.

A discórdia terá escalado já este mês, na Queima das Fitas do Porto. Igor e o principal suspeito da sua morte ter-se-ão cruzado no “Queimódromo”, num extremo do Parque da Cidade, e passado das palavras aos actos. Nesse episódio, a irmã do rapaz, que é ainda adolescente, ter-se-á intrometido e sido agredida por Igor.

Na sequência daquela briga, o pai, a mãe, a tia, o suspeito e outros membros da família terão ido ao Bairro de Ramalde confrontar a família de Igor. Houve gritos e vidros partidos em casa da mãe dele.

Sábado, no Estádio da Luz, o pai estava na bancada para assistir ao Benfica-Porto e viu Igor a entrar. A hostilidade estava num nível tão elevado que logo ali se atiraram um ao outro. Separou-os o líder dos Super Dragões, que não queria confusão entre elementos da claque. E eles assistiram ao jogo sem problemas. Fizeram o caminho de regresso ao Porto também sem problemas, felizes com o resultado do clube de eleição de ambos.

Na madrugada, no calor dos festejos do novo título do F.C. Porto, membros das famílias desavindas voltaram a cruzar-se, na Alameda das Antas, perto do Estádio do Dragão. Estavam com amigos. E pelo menos uma pessoa tinha uma arma branca e não se coibiu de a sacar.

Do confronto físico, que terá implicado inúmeras pessoas, resultaram duas vítimas: uma grave, do sexo masculino, e uma ligeira, do sexo feminino, então conduzidas para o Hospital de São João. O homem era Igor, como já se sabe. Com vários ferimentos de faca, esvaía-se em sangue. Seguiu na ambulância já em paragem respiratória, com a equipa de emergência médica a insistir nas manobras de reanimação.

Quando a polícia chegou ao local, já os suspeitos tinham desaparecido. O rapaz entregou-se segunda-feira, alegando que agiu em legítima defesa e em defesa do pai. Na sua versão, a faca seria do próprio Igor, que teria juntado amigos para os matar. Foi indiciado por homicídio e está em prisão preventiva.

Quarta-feira, poucas horas depois do funeral, ouviram-se tiros no Bairro do Cerco do Porto. O alvo seria o apartamento atribuído à avó do suspeito, que morreu há pouco tempo. Tornou-se evidente que algumas das pessoas mais chegadas a Igor andavam à procura do pai, uma vez que também teria estado envolvido na luta do fim-de-semana. Não é claro se quererão vingar-se ou apenas forçá-lo a entregar-se às autoridades.

Apesar de ter residência fiscal no Bairro do Cerco, onde tantos anos viveu, o pai já não morava ali com a mulher e os filhos. O antigo jogador de futebol estaria a viver num apartamento próximo. Naquele complexo habitacional, porém, ainda moram vários familiares e amigos do suspeito.

Os moradores do Cerco do Porto ficaram em estado de alerta. Já passavam das 17h de quarta-feira quando o grupo irrompeu pela primeira vez e uma bala perdida atingiu uma pessoa: um homem, de 31 anos sofreu escoriações numa mão e teve de ser assistido por uma equipa de emergência médica. Na noite de quinta para sexta-feira, os residentes voltaram a ouvir tiros, que atribuem ao mesmo grupo. Alguém passou de carro e moto e disparou para o ar.

“Isto têm sido dias de muito stress, de muitos receios, de muita apreensão, de muito cuidado. Já ontem aconteceu novamente”, diz uma pessoa que ali trabalha. No final da tarde de quinta-feira, gerou-se a confusão. Juntou-se muita gente na rua. De repente, viu “pessoas armadas, a vaguear pelo bairro como se andassem com garrafas de água na mão”. “Supostamente a ideia delas, a intenção, é proteger as pessoas daqui.”

Quarta-feira fora a surpresa. Quinta-feira estava a resistência a organizar-se. “Supostamente alguém deu a informação que estariam a vir para cá pessoas da parte do rapaz [morto] e eles estavam a preparar-se. Estavam em zonas estratégicas do bairro para ver se alguém chegava ou não”, conta. Houve pânico. “A polícia também, entretanto, chegou. Pelos vistos, não aconteceu nada, mas, pronto, está-se naquele clima de medo e insegurança.”

A maior parte procura resguardar-se disto tudo. O que acontecerá da próxima vez que houver balas perdidas? “Vamos esperar pelos próximos dias, porque acho que infelizmente não vai ficar assim. Acredito que vá acontecer mais alguma coisa nestes próximos tempos, esperemos que não acabe em tragédia.”

A direcção dos Super Dragões tem apelado à calma de um lado e de outro. O líder da claque não participou no funeral, uma vez que se encontrava em peregrinação, mas a sua mulher, a número dois, sim. Isso não chegará, todavia, para acalmar os ânimos em torno do sumiço de um membro influente da claque. Adiantou a CMTV que esse suspeito prepara-se para se entregar às autoridades.

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