O que devem os politécnicos ao ex-ministro Manuel Heitor?

O Conselho de Coordenação dos Institutos Superiores Politécnicos atribuiu a Medalha de Ouro e Mérito ao ex-ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior.

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Manuel Heitor esteve à frente do Ministério da Ciência e Ensino Superior durante seis anos LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

No passado dia 27 de abril, aproveitando a tomada de posse da nova presidente do Conselho de Coordenação dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), foi atribuída por este órgão representativo do ensino politécnico em Portugal a Medalha de Ouro e Mérito ao ex-ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. Mas o que fez o ex-ministro em prol dos politécnicos e do seu universo de colaboradores e alunos para merecer tal reconhecimento? Convém lembrar que o ex-ministro esteve seis longos anos a tutelar o ensino superior em Portugal e que muitas das críticas ao sistema, que se ouvem desde há muitos anos por parte dos politécnicos, continuam perfeitamente atuais.

Comecemos pela atribuição do grau de doutor, uma reivindicação antiga dos politécnicos, que continua ignorada pela tutela. A esperança criada em 2018 pelo ex-ministro com a alteração à lei que regulamenta os graus e diplomas académicos acabou por se esfumar. Na alteração a essa lei específica foram removidas as restrições que impediam a atribuição do grau de doutor pelos politécnicos, mas nada foi feito relativamente ao restante quadro legal, pelo que o impedimento se mantém tal como antes.

Peguemos num outro exemplo: a adoção pelos politécnicos do termo “universidade”, mais prestigiante e generalizado noutros países europeus com sistema binário (instituições de caráter científico ou vocacional) de ensino superior. A este respeito nem sequer foi esboçada qualquer tentativa por parte do anterior ministro no sentido de acolher esta reivindicação dos politécnicos. Tal alteração teria que passar pela avaliação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) criado em 2007, que deveria ter ocorrido ao fim de cinco anos de vigência.

Podemos ainda referir a questão das carreiras, também binárias e distintas na designação das categorias e na grelha salarial, com desvantagem para os politécnicos. As categorias da carreira docente politécnica não têm, ao contrário da carreira universitária, equivalência em parte nenhuma do planeta, pois os termos “professor coordenador” e “professor adjunto” são uma singularidade do subsistema politécnico português. A questão da designação das categorias não é de somenos importância, pois é desprestigiante e cria grandes constrangimentos aos docentes, num contexto internacional. De resto, desde a sua criação em 2009 que não há qualquer revisão dos estatutos de carreira.

Mas será que ao longo de seis anos podemos apenas apontar aquilo que não foi feito, ou seja as omissões? Vejamos então as ações. Em 2016 foi lançado o Programa de Modernização e Valorização do Ensino Superior Politécnico que incluiu um concurso para projetos de investigação especialmente dedicado aos politécnicos. Este concurso visando “contribuir para a acumulação de competências e valorização do impacto dos institutos e escolas politécnicas na sociedade”, apenas contemplava um tipo de investigação com significado nebuloso designado como practice-based research. Por outro lado, vedava liminarmente a colaboração entre universidades e politécnicos, colocando-os numa espécie de bolha científica (a acrescentar à bolha académica), para impedir o contacto entre os dois subsistemas. O mesmo programa de modernização previa também a criação de centros de investigação só para politécnicos, à margem do restante sistema científico nacional. O Programa de Modernização e Valorização dos politécnicos não trouxe assim qualquer modernização e muito menos valorização, contribuindo antes para desvalorizar o trabalho de quem nos politécnicos tem de competir, no âmbito nacional e internacional para conseguir financiamento para investigação e para publicar em revistas com avaliação por pares. De resto os rankings internacionais não fazem distinção entre tipos de instituição.

Mas, perante esta atitude fortemente discriminatória, o que terá então dado origem à distinção atribuída pelo CCISP ao ex-ministro? Alguns dirigentes dos politécnicos referem a abertura para o diálogo e a atenção privilegiada do ex-ministro em relação ao subsistema politécnico, algo que não acontecia com ministros anteriores.

A crise pandémica também veio ajudar, com medidas excecionais que permitiram um forte aumento de ingressos no ensino superior. No entanto, faça-se um balanço objetivo dos seis anos de mandato e das medidas estruturantes (ou da falta delas) e facilmente se conclui que não há razões para elogios por parte de quem está do lado de cá da “barreira”, muito menos para medalhas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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