Rede de geotermia em Chaves vai aquecer 24 edifícios públicos e privados a partir de Junho

O projecto-piloto de geotermia (ou seja, o calor do interior da Terra) pretende promover a descarbonização do município de Chaves, evitando a emissão de 1330 toneladas de dióxido de carbono por ano.

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A rede permitirá que os edifícios reduzam os gastos energéticos de forma significativa Nelson Garrido

Já está em fase de conclusão a construção da rede urbana de calor que aproveitará a geotermia para aquecer 24 edifícios públicos e privados em Chaves. Fazendo uso do calor das águas termais — isto é, de um recurso natural renovável —, o projecto-piloto permitirá que se reduzam os gastos energéticos desses edifícios de forma significativa. Será, também, crucial do ponto de vista ecológico, evitando, segundo as estimativas da autarquia, a emissão de “1330 toneladas” de dióxido de carbono por ano.

O socialista Nuno Vaz Ribeiro, presidente da Câmara Municipal de Chaves, diz ao PÚBLICO que a conclusão dos trabalhos deverá acontecer em Junho. “Falta só um dos últimos nós”, relata.

Orçado em cerca de um milhão e 200 mil euros, o projecto-piloto terá uma dimensão maior do que, por exemplo, a rede de energia geotérmica que está a ser expandida em Viseu — e que aquecerá somente as unidades hoteleiras das Termas Romanas de São Pedro do Sul.

Nos Açores, o calor do interior da Terra já é explorado desde o início dos anos de 1980. Neste momento, são três as centrais geotérmicas que se encontram em funcionamento no arquipélago: a da Ribeira Grande (16,6 megawatts [MW] de potência) e a do Pico Vermelho (13 MW), ambas em São Miguel, e, ainda, a do Pico Alto (4,7 MW), na ilha Terceira. Mas estas centrais diferem em termos de missão do projecto que o município de Chaves pretende implementar, pois são centrais produtoras de energia eléctrica.

Carlos Bicudo da Ponte, engenheiro mecânico na EDA Renováveis, empresa sediada em Ponta Delgada e voltada para a produção e distribuição de energia eléctrica, explica ao PÚBLICO que o recurso geotérmico pode ser aproveitado “quer para a climatização de espaços quer para a produção de electricidade”. “Nos Açores, estamos mais focados na produção de electricidade”, afirma, referindo que, devido ao clima existente no arquipélago, não existe a necessidade de se implementar uma rede de distribuição de calor no território.

Rede geotérmica aquecerá 24 edifícios públicos e privados Nelson Garrido
A rede traduzir-se-á em "2400 metros lineares de condutas" subterrâneas Nelson Garrido
Entrada e retorno do circuito geotérmico no Hotel Ibis Nelson Garrido
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Rede geotérmica aquecerá 24 edifícios públicos e privados Nelson Garrido

Pandemia e “achados arqueológicos” explicam atrasos

A rede de Chaves, que se traduzirá em “2400 metros lineares de condutas” subterrâneas, ligará, no centro da cidade, 24 edifícios públicos e privados com “uma grande demanda energética”. Fazem parte desse lote, por exemplo, o arquivo histórico municipal, a biblioteca de Chaves, o Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso, as instalações da piscina municipal, um hotel geriátrico e uma escola secundária.

A construção da rede, que se iniciou em Janeiro de 2021, tinha um prazo de execução de 365 dias. Nuno Vaz Ribeiro explica que é, em parte, devido aos constrangimentos pandémicos que a obra ainda não se concluiu.

Outro motivo por detrás do atraso, argumenta, é o facto de a empreitada estar a ser desenvolvida “numa parte da cidade com achados arqueológicos relevantes”. “A intervenção só pôde começar depois da realização de uma série de sondagens arqueológicas”, recorda Nuno Vaz Ribeiro, frisando que “a descoberta de alguns vestígios” levou a que o “trajecto das condutas” que constituirão a rede tivesse de ser redesenhado.

Mas muitas das valas já estão tapadas, diz o presidente da câmara. Com a tubagem totalmente instalada, restam apenas alguns trabalhos de recondicionamento dos pavimentos. Em breve, começará a ser ensaiado o projecto-piloto, que tem um período de avaliação de cinco anos.

Rede não aquecerá habitações (pelo menos, para já)

Do lote de 24 edifícios que serão aquecidos não fazem parte habitações (os edifícios privados são, na sua maioria, hotéis). E não é de se prever que a rede venha a ser expandida a curto prazo. Nuno Vaz Ribeiro salienta, contudo, que “há essa ambição”. “Queremos fornecer energia a outros edifícios e, se a utilização sustentável do recurso geotérmico o permitir, aos próprios cidadãos, aos consumidores domésticos”, refere.

Essa é, todavia, “uma ambição que neste momento não tem ainda timing de execução”. “Está dependente não só de uma gestão sustentável do recurso geotérmico, como também do dinheiro disponível para se investir em trabalhos de ampliação da rede”, clarifica.​

A rede terá uma potência térmica de 2,12 MW” de energia. “A expectativa é a de que, no espaço de um ano, tenhamos as condições de ter cada um dos 24 edifícios aquecido exclusivamente por esta fonte energética”, afirma Nuno Vaz Ribeiro.

Não é, de resto, recente a aposta de Chaves nesta matéria. Em 1983, a piscina municipal já era aquecida a partir da geotermia. Neste momento, o calor do interior da Terra está a ser usado para aquecer cinco edifícios (as instalações da piscina, o balneário termal, o hotel geriátrico nas imediações das termas romanas de Chaves e dois hotéis — o Aquae Flaviae e o ibis Styles).

Águas gasocarbónicas ascendem a uma temperatura média de 74 graus Celsius em Chaves Nelson Garrido
Água termal será captada em profundidade e encaminhada para a central geotérmica, onde acontecerá a permutação do calor por ela transportado Nelson Garrido
Câmara de Chaves diz que construção da rede deverá acabar em Junho Nelson Garrido
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Águas gasocarbónicas ascendem a uma temperatura média de 74 graus Celsius em Chaves Nelson Garrido

Águas que ascendem a 74 graus Celsius

Uma das maiores fracturas tectónicas activas em Portugal continental atravessa o distrito de Vila Real, a que o município de Chaves pertence, de forma longitudinal. A falha tem uma zona de descontinuidade muito grande — e nela está instalado um grande número de águas gasocarbónicas.

A velocidade a que estas águas ascendem à superfície terrestre determina a quantidade de calor que transportam: a sua temperatura é tão mais elevada quanto maior for a sua velocidade. No centro de Chaves, as águas gasocarbónicas ascendem a uma temperatura média de 74 graus Celsius. Daí o potencial do projecto-piloto que está em vias de arrancar.

A rede começará com um circuito primário. Depois de a água termal ser captada em profundidade, acontecerá a permutação do calor por ela transportado. Esse calor será, posteriormente, encaminhado para um circuito secundário, que pode ser definido como uma linha de transporte que levará a energia térmica aos edifícios.

Nuno Vaz Ribeiro deposita muita esperança no projecto-piloto. Acredita que, em Portugal continental, constituirá “uma mudança de paradigma” no que ao aproveitamento das águas termais diz respeito.

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