Ministra da Saúde garante que direito à interrupção voluntária da gravidez não está em causa

Marta Temido afirmou que o que se pretende é melhorar o planeamento familiar em mulheres em idade fértil e não penalizar a mulher ou os profissionais de saúde.

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Ministra da Saúde, Marta Temido, apresentou o orçamento para este ano Nuno Ferreira Santos

A ministra da Saúde garantiu esta terça-feira que o direito das mulheres de recorrerem à interrupção voluntária da gravidez não está em causa, o que se pretende é melhorar o planeamento familiar. A criação de novos critérios nas actividades específicas que contam para remuneração variável das equipas de saúde das Unidades de Saúde familiar Modelo B (USF-B), nomeadamente a ausência de interrupção voluntária da gravidez (IVG), marcou parte da primeira fase do debate parlamentar do Orçamento da Saúde para 2022.

A proposta deste indicador, assim como o de ausência de doenças sexualmente transmissíveis (DST) na área do planeamento familiar em mulheres em idade fértil, foi entregue ao Ministério da Saúde, que ainda está a analisar o documento do grupo técnico. Como o PÚBLICO noticiou, o tema levantou questões pelo impacto que pode ter em parte do vencimento, mas também por ser entendido como uma possível discriminação de género. Razão pela qual, a Federação Nacional dos Médicos enviou na segunda-feira uma exposição à Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.

O tema começou por ser colocado na audição desta terça-feira pelo PSD, que questionou a penalização das equipas com a introdução deste critério. A ministra da Saúde lembrou que este critério está inserido numa das seis áreas pelas quais as equipas das USF-B são avaliadas e que em causa está uma métrica proposta por um grupo de trabalho que “tem um racional específico”. “Obviamente não é a penalização da utente ou médico, mas de diferenciação do desempenho quando se está a falar de planeamento familiar”, afirmou.

“O tema é acompanhamento de mulheres em idade fértil. O não estar aqui o género masculino não quer dizer que não tenha acompanhamento. O tema é acompanhamento de mulheres em idade fértil. Para este indicador específico, a métrica é associada a consultas, a um conjunto de análises e de instrumentos de planeamento familiar. As mulheres que realizaram IVG são excluídas do denominador. Isso não quer dizer que haja uma penalização e muito menos que esteja em causa qualquer juízo. Quer apenas dizer que estamos apenas a falar de saúde”, acrescentou.

Mas o debate não ficou por aí. Também o PCP, pela voz do deputado João Dias, questionou a escolha da IVG como indicador para atingir metas de remuneração adicionais. “Peço para esclarecer se vai ou não vai aceitar a proposta destes indicadores, que considerou colocarem “em causa a confiança entre o médico de família e a utente”. Sem mais tempo atribuído, Marta Temido acabou por responder já depois da intervenção da líder do BE.

"IVG não é meramente um indicador de saúde"

“A IVG não é meramente um indicador de saúde. É um direito das mulheres, por que lutámos, e é um direito das mulheres muito mais do um indicador da saúde”, afirmou Catarina Martins, lembrando a ausência de mortes por abortos ilegais e o decréscimo de IVG deste que a lei o permite. Na sua intervenção, salientou que ainda há muitas mulheres que se queixam de dificuldades de acesso, “às vezes pelas estruturas de saúde”. “O que gostava era de a ouvir dizer que este indicador nunca será aceite em nome da dignidade das mulheres”, disse, dirigindo-se à ministra.

“O que tivemos recentemente foi uma avaliação destas actividades específicas por um grupo técnico, não por um grupo do Ministério da Saúde, que recomendou que o tema do critério da realização da IVG fosse considerado como uma falta do acompanhado do planeamento familiar realizado pelos profissionais”, afirmou Marta temido. “Pode-se discordar ou concordar. Mas quando deixarmos de debater, deixamos de servir para aquilo que é a nossa função. Acho que todos entendem que a circunstância de ser feita uma IVG, para as mulheres que a fizeram, que é algo que é profundamente penalizador sob o ponto de vista da saúde física e mental. Não considerar esse aspecto é hipocrisia.”

“Podemos dizer que é um indicador, por aquilo que é o percurso recente da IVG no nosso país, que não deve ser considerado, que por razões políticas de uma concepção mais vasta não deve ser considerado. Mas ignorar o que estamos a discutir ou confundir o que estamos a discutir não me parece de bom senso. O Ministério da Saúde ainda não se pronunciou sobre este indicador. Estamos a falar da responsabilidade de acompanhamento familiar e do que poderá ser uma fragilidade de um planeamento que não foi feito como gostaríamos e que colocou a mulher na situação de ter recorrer à IVG”, explicou, pedindo desculpa pela “condenação veemente de quem acha que estamos aqui numa tentativa de culpabilizar ou estigmatizar as mulheres”.

“Estamos em 2022, não é uma discussão para o nosso país, para este Governo, nem para o bem-estar das mulheres. Sendo certo que há aqui uma questão de saúde que tem de ser analisada”, defendeu.

Mas Catarina Martins replicou. “A simples consideração da IVG como uma falha do planeamento familiar é já um julgamento moral sobre a decisão das mulheres e é inaceitável”, afirmou, considerando que o mesmo julgamento acontece com o critério de ausência de DST. “A decisão política é sua.” A troca de argumentos continuou com a resposta de Marta Temido, que reforçou a “inexistência de qualquer juízo sobre a opção de qualquer pessoa relacionada com as suas escolhas pessoais”.

“Há também aqui a necessidade de ter uma avaliação do que isso significa em termos de saúde da própria e penso que isso é também inquestionável. Não está em causa a escolha, é um direito, mas é um direito com consequências que podem ser negativas do ponto de vista da saúde”, disse, garantindo ainda que “não é uma penalização” para os profissionais de saúde.

Inês Sousa Real, do PAN, perguntou então se destes indicadores “não resultará qualquer consequência para os profissionais”. A ministra voltou a recordar as seis actividades específicas que estão em vigor e que o objectivo não é penalizar a mulher. “Estamos a falar de tentar que o desempenho do médico seja aferido pela melhor saúde dos seus utentes” e, por outro lado, o impacto da IVG “na saúde da pessoa a quem a ela recorre”. “Sob o ponto de vista da adequação deste juízo técnico não cumpre pronunciar-me. Sob o ponto de vista da decisão política, cumpre pronunciar-me. É uma matéria que vou analisar com todo o cuidado e transmitirei a decisão, como transmitirei o que está previsto aos hipertensos, diabéticos e para as crianças”, afirmou a ministra.

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