Transportes em Lisboa: uma manta de retalhos ineficiente

Precisamos de uma rede de transporte ferroviário eficiente, como alternativa, competitiva e atrativa, ao automóvel, para o que o seu planeamento deve obedecer a um critério principal: a minimização de transbordos.

As principais infraestruturas de transportes públicos na cidade e na região de Lisboa estão a ser planeadas na lógica de uma manta de retalhos, ou seja, um conjunto de infraestruturas extremamente ineficientes. O principal exemplo é a Linha Circular do Metro de Lisboa, a que podemos adicionar a Lios (Linha Intermodal Sustentável), o metro ligeiro do lado ocidental e o metro ligeiro de Loures.

Em todos os casos há um conceito estratégico comum: independentemente das origens e destinos dos potenciais utentes, pretende-se optimizar o ajuste local da oferta à procura, segmentando a rede, permitindo com isso ofertas diferenciadas entre segmentos com procuras diferentes.

O caso da Linha Circular é o mais óbvio e relevante: é conhecido o facto da procura no centro de Lisboa ser superior e se estender mais uniformemente ao longo do dia por ser uma zona de maior densidade de empresas e serviços públicos. É esta zona que se pretende servir com a Linha Circular.

Pelo contrário as ligações do centro à periferia, como é o caso da futura Linha Amarela Telheiras - Campo Grande - Odivelas servem em grande parte movimentos pendulares de quem de manhã vem das zonas mais externas da cidade ou da sua periferia para o centro para trabalhar e ao fim do dia faz o mesmo percurso em sentido contrário para regressar a casa. Havendo menor densidade de empregos e serviços nestas zonas, há muito menos procura durante o dia, principalmente entre as 10h e as 16h. Se a frequência dos comboios (ou, de forma equivalente, os intervalos de tempo entre comboios) for semelhante nos dois troços, em particular no meio do dia na zona mais exterior, os comboios andarão com muito menos passageiros, originando desperdícios consideráveis ao Metro de Lisboa. Assim, tomando a actual Linha Amarela, Rato – Odivelas, como exemplo, a separação entre o troço central, Rato – Campo Grande, do troço exterior Campo Grande – Odivelas permite que as frequências dos comboios em ambos sejam diferentes, adequando a oferta à procura.

Numa análise superficial da questão, parece uma boa ideia. Na realidade é um erro, por duas razões: i) ao separar o centro da periferia, criando a descontinuidade do Campo Grande que obriga a um transbordo, torna o transporte público muito menos atrativo para o potencial utente, incentivando o uso do automóvel; ii) e porque há outras alternativas para reduzir a frequência dos comboios nas zonas exteriores, que são os terminus intermédios e/ou as bifurcações.

O mesmo erro está a cometer-se com as novas linhas de metro ligeiro. Tanto no caso de Loures como da Lios, ligam a estações terminais das Linhas Amarela e Vermelha, em Odivelas e Alcântara-Terra (a construir), respectivamente. Também nestes casos, apesar dos objectivos meritórios de optimização económica da operação, do ponto de vista da eficiência global do sistema de transportes o resultado será negativo devido à descontinuidade nas ligações à rede de Metro pesado (a existente).

Para se compreender melhor vejamos dois exemplos concretos: uma pessoa que venha de Cascais para Lisboa de carro poderia deixá-lo num parque periférico a construir em Miraflores e aí apanhar o Lios para Alcântara para aí aceder à rede de Metro. Em alternativa, se se prolongar a Linha Vermelha para Miraflores, essa pessoa acederia directamente à rede de Metro em Miraflores, e teria menos um transbordo até ao destino final. Obviamente esta hipótese sai mais cara, mas a questão é: vale a pena o investimento ou não? Outro exemplo: uma pessoa que esteja em Loures e vá viajar de comboio para o Norte e queira aceder à Gare do Oriente, teria de apanhar quatro comboios diferentes: 1 - Loures-Odivelas no Metro ligeiro de Loures; 2 – Odivelas – Campo Grande na Linha Amarela; 3 – Campo Grande - Alameda na Linha Circular; e 4 – Alameda – Gare do Oriente na Linha Vermelha.

Seriam três transbordos. E se em vez de ir apanhar um comboio de longo curso fosse um avião num aeroporto na margem sul, ainda teria de apanhar um quinto comboio da Gare do Oriente para o aeroporto (era o que estava planeado nos acessos ferroviários ao aeroporto de Alcochete). Não é preciso tirar um curso superior para perceber a tremenda ineficiência da manta de retalhos que é o sistema de transportes que se está a construir na região de Lisboa. Caro leitor, raciocine como qualquer passageiro: se tivesse de fazer todos estes transbordos, não preferiria procurar uma alternativa com base no automóvel?

Em geral os defensores da Linha Circular evitam falar da questão dos transbordos. No entanto, face às críticas, o Governo e o Metro sentiram-se compelidos a responder. A incoerência e contradições das explicações dadas para justificarem a Linha Circular reforçam o que se concluiu sobre a ineficiência de haver mais transbordos que os estritamente indispensáveis:

1 – em 9 de Janeiro de 2019, o PÚBLICO publicava a notícia de que, segundo o primeiro-ministro, reduzir transbordos para os passageiros vindos da Linha de Cascais para o eixo central (as estações entre Entrecampos e o Marquês de Pombal) é a principal mais valia do projecto (da Linha Circular).

2 - No entanto, no mês seguinte, a 19 de Fevereiro de 2019, o presidente do Metro dizia exactamente o contrário a respeito das vantagens de reduzir transbordos.

Então, de que precisamos? De uma rede de transporte ferroviário eficiente, como alternativa, competitiva e atrativa, ao automóvel, para o que o seu planeamento deve obedecer a um critério principal: a minimização de transbordos, o que implica entre outros, ligações directas entre o centro e a periferia, que é o oposto dos projectos actuais, extendendo as Linhas de Metro até zonas fora de Lisboa com fácil acesso rodoviário: genericamento isto é junto à CRIL ou próximo, de forma a que muitos dos utilizadores dos mais de 300 000 automóveis que todos os dias úteis entram em Lisboa deixem de o fazer deixando os automóveis em parques periféricos (a construir) e aí acedam às linhas de metro, e através destas, aos seus destinos finais no interior da cidade.

Outros critérios importantes de um planeamento de médio e longo prazo para a região de Lisboa devem também incluir: i) uma cobertura de qualidade em transporte público de zonas de difícil acesso rodoviário, o que inclui toda a cidade de Lisboa e os centros de outras vilas ou cidades da região. Na cidade de Lisboa, isto deve conseguir-se com uma combinação de metro pesado, metro ligeiro em sítio próprio e autocarros, podendo a melhor solução ser diferente em diferentes zonas da cidade; ii) planear a rede de metro e as linhas ferroviárias suburbanas de forma a que cada linha de metro tenha interfaces com as restantes linhas de metro e com as linhas ferroviárias suburbanas.

O sistema de transportes deveria melhorar a mobilidade e qualidade de vida na cidade e na região de Lisboa, para o que precisa de ser atractivo face à alternativa do automóvel, o que não será com os planos actuais. Por isso a manta de retalhos em construção e em projecto na região de Lisboa, por não servir com eficiência o fim a que se destina, não representa uma poupança mas um desperdício de recursos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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