De que falamos quando proclamamos a defesa da Escola Pública?
Uma Escola só pode chamar-se Pública quando atende, cuida e bem trata todos os seus públicos, quando a todos inclui e a todos promove no máximo do seu potencial. O critério da propriedade da escola não pode ser usado para definir o seu estatuto.
No meio de discursos inflamados, tentemos uma aproximação serena a um tema que tem agitado muita opinião publicada e mobilizado muitos milhares de portugueses. Proponho-me fazê-lo procurando definir conceitos e princípios e retirar várias ilações para a ação.
1. O que é uma escola pública?
Uma escola é pública quando i) está aberta a todos em condições de igualdade, praticando por isso a igualdade de acesso aos bens educativos; ii) promove a igualdade de sucesso gerando e gerindo dinâmicas de diferenciação positiva para que todos e cada um possa aprender o máximo possível (no aprender a conhecer, no aprender a saber fazer, no aprender a ser, no aprender viver (e a crescer) juntos; iii) promove a igualdade de oportunidades no usufruto dos bens educacionais, isto é, fazendo tudo o que estiver aos seu alcance para que todos os seus alunos possam ter a maior equidade possível no acesso ao trabalho ou ao prosseguimento de estudos; iv) e é ainda pública quando não pactua com as estratégias de seleção e de exclusão dos mais fracos, dos deserdados, quando não silencia e não protege ações indignas de agentes que se dizem “professores”.
Em síntese: uma Escola só pode chamar-se Pública quando prossegue uma atividade de interesse público, quando atende, cuida e bem trata todos os seus públicos, quando a todos inclui e a todos promove no máximo do seu potencial.
2. Quais as implicações desta concetualização?
Daqui decorre que o critério da propriedade [ser propriedade do Estado, de uma cooperativa de professores ou de pais, de uma empresa] não pode ser usado para definir o estatuto da Escola. Porque em cada uma destas categorias há certamente muito boas, boas, más ou muito más escolas que prestam um serviço público. E há escolas que nem sequer deveriam ter autorização de funcionamento e que deveriam ser fechadas pelo Poder Público [que é o Estado]. Quando reiteradamente prestassem um mau serviço aos seus alunos. Quando não fizessem tudo o que está ao seu alcance para elevar as oportunidades de sucesso de todos. Quando deliberadamente excluíssem e estigmatizassem alunos. Quando não ativassem dispositivos de construção de comunidades de aprendizagem. Quando não fossem casas de conhecimento e humanidade para todos os seres humanos que lá vivem e trabalham.
Deviam ser fechadas. Fossem propriedade de quem fossem. E as primeiras a fechar deveriam ser as do Estado porque detêm particulares responsabilidades de serviço público. Porque deveriam estar na linha da frente de um ideário de justiça e de equidade.
3. Qual é o papel do Estado?
Daqui decorre que o papel fundamental (e insubstituível) do Estado é zelar para que todas as escolas prestem um serviço público de elevada qualidade. E para isso tem particulares responsabilidades na construção de um currículo equilibrado, realista, adequado aos contextos, no controlo da qualidade da formação inicial de educadores e professores, no acesso à carreira, na definição de um sistema de avaliação justo. Isto é: o Estado não tem de ser dono das escolas. As escolas devem pertencer às comunidades que as constroem e vivificam.
E daqui também decorre a irresponsabilidade e a falsidade argumentativa: se eu tiver duas escolas na mesma localidade, uma do Estado e outra de uma outra entidade (uma cooperativa, por exemplo), e se a procura social só justificar uma, por que motivo deve prevalecer a que é propriedade do Estado se, porventura, for a que presta pior serviço público educativo?
O superior interesse das pessoas (a quem o Estado deve servir) e os direitos dos alunos exigem que se feche (ou que não se financie) a escola que não é digna de existir. Mesmo sendo propriedade do Estado.
4. Conclusão
O debate que muitas vezes se trava em torno da natureza da escola está, pois, inquinado. No meu ponto de vista, nem sequer é, primacialmente, uma questão de liberdade de escolha de escola (embora também seja). A essência da questão é o direito a uma educação plena, fundada nos princípios constitucionais da igualdade, da equidade, da justiça. Uma escola que não deixa ninguém para trás. Uma escola que faz da escuta, da diferenciação pedagógica, do trabalho colaborativo, da melhoria contínua, da inclusão pela via do conhecimento, da inserção territorial …. a sua rosa-dos-ventos. Essa é a escola que eu quero no meu país. É essa escola que eu quero que os impostos financiem. O resto é intoxicação ideológica que presta um péssimo serviço à escola pública.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico