Para as refugiadas ucranianas, a proibição quase total do aborto na Polónia é mais um perigo

Linhas de apoio às ucranianas que procuraram a Polónia nos últimos dois meses receberam centenas de pedidos de informação e de ajuda de mulheres que querem abortar.

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Ucranianas que fogem para a Polónia enfrentam a proibição quase total do aborto KAI PFAFFENBACH / Reuters

Para muitas refugiadas ucranianas que procuram na Polónia um abrigo seguro para escapar à guerra dentro das suas fronteiras, a chegada ao país vizinho apresenta-lhes uma dificuldade que, em muitos casos, é inesperada: a proibição quase total do aborto.

Estima-se que entre os mais de cinco milhões de refugiados ucranianos que saíram da Ucrânia desde o início da invasão, três milhões tenham procurado refúgio na Polónia. Por causa das limitações impostas à saída de homens adultos da Ucrânia, cerca de 90% dos que fugiram são mulheres ou crianças.

Ao chegarem à Polónia, deparam-se com um quadro radicalmente diferente ao ucraniano no que respeita ao regime legal da interrupção voluntária da gravidez. Na Ucrânia, as mulheres podem realizar uma interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas e o acesso a medicamentos contraceptivos é simples. Na verdade, antes da invasão, era comum que mulheres polacas viajassem até à Ucrânia para realizarem procedimentos que no seu país passaram a ser praticamente proibidos desde 2020.

Foi nesse ano que o Governo ultraconservador polaco fez aprovar legislação que restringe a possibilidade de interromper uma gravidez. A lei proíbe o aborto em todas as circunstâncias, excepto em casos de violação, incesto ou quando está em causa a saúde ou a vida da mãe. No entanto, o quadro real é ainda mais restritivo, uma vez que a alegação de violação necessita de ser provada perante o Ministério Público e as organizações de defesa dos direitos humanos denunciam um ambiente de intimidação, tanto por parte dos agentes de justiça, como dos profissionais de saúde.

As refugiadas “estão totalmente despreparadas para a situação aqui, elas não conhecem a lei”, diz ao Guardian a activista ucraniana Oksana Litvinenko, que vive há 16 anos na Polónia e tem apoiado as compatriotas que chegam ao país. “Mesmo que alguém tenha lido um artigo sobre o aborto na Polónia, continuam a pensar ‘ok, eles não permitem abortos a pedido, mas se houver uma boa razão de certeza que o farão’”, acrescenta.

Vários grupos de apoio a mulheres têm instaladas linhas de contacto para que as ucranianas que cheguem à Polónia possam receber informação e, potencialmente, ajuda para realizar abortos. Em pouco mais de dois meses, já receberam centenas de telefonemas, muitos de mulheres que querem interromper a gravidez. As razões variam muito, desde mulheres que se recusam a ter um filho num contexto de guerra, outras que não sabem como podem sustentar uma criança sem garantia de trabalho, até os cada vez mais frequentes casos de violação.

Ainda não existem dados absolutos, mas há relatos de dezenas de casos de violações de mulheres e jovens ucranianas por militares russos. Apesar de este ser um dos exemplos previstos pela legislação polaca, o procedimento judicial que normalmente já é complexo torna-se ainda mais por se tratar de violações num país estrangeiro em guerra.

A obstetra ucraniana Miroslava Marchenko fugiu para a Polónia e tem ajudado mulheres que também o fizeram. Trabalha numa das linhas de apoio a refugiadas e, citada pelo site de informação The Fuller Project, disse ter recebido dois testemunhos de ucranianas violadas por soldados russos: uma de 25 anos e outra de 16.

Os grupos conservadores anti-aborto polacos, muitos dos quais ligados à Igreja Católica, também se têm mobilizado para acolher refugiadas. Na estação ferroviária de Varsóvia, tem estado estacionado um camião com imagens de fetos mortos e altifalantes que emitem slogans contra o aborto em polaco e ucraniano, segundo o Fuller Project.

Um grupo de deputados da oposição propôs uma alteração legislativa que acelerasse o procedimento legal das refugiadas vítimas de violação, mas a maioria que apoia o Governo chumbou a proposta de lei, segundo o Guardian.

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