Grândola volta a soar na Galiza, 50 anos depois de José Afonso ali a estrear ao vivo

Escrita em 1964 e gravada em disco em 1971, Grândola Vila Morena foi cantada por José Afonso pela primeira vez ao vivo na Galiza, em 1972. Um colóquio e um concerto em Santiago de Compostela assinalam a data, neste 10 de Maio.

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José Afonso e Benedicto García Vilar na Galiza, nos anos 1970 DR

A história de Grândola, a canção, já foi muitas vezes contada. Nasceu como poema, escrito e oferecido por José Afonso à Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense em 1964, teve três versões e foi gravada como canção no LP Cantigas do Maio (1971), que acaba de ser reeditado numa versão dada por definitiva, em vinil, CD e também nas plataformas digitais. Mas a primeira vez que José Afonso a cantou ao vivo na forma que conhecemos (a última) foi em Santiago de Compostela, na Galiza, no dia 10 de Maio de 1972, faz agora 50 anos. À imprensa, o próprio José Afonso recordou mais tarde esse momento: “A primeira vez que cantei Grândola foi na Galiza: toda a gente se entusiasmou e conseguiu-se criar um ambiente de fraternidade muito belo, punham-se de pé, cantavam, agitavam os braços.” A citação, do jornal La Vanguardia de 22 de Maio de 1987, num trabalho destinado a celebrar quinze anos dessa estreia, foi depois reproduzida no livro de Viriato Teles As Voltas de um Andarilho.

Ora é precisamente na Galiza, e no mesmo local onde se deu essa estreia, a Universidade de Santiago de Compostela (USC), que se realiza esta terça-feira um colóquio e um concerto para comemorar a efeméride, sob o lema Zeca, Maior que o pensamento. Anunciados à imprensa na Galiza, no passado dia 4, colóquio e concerto irão decorrer no auditório da Facultade de Filoloxía [Faculdade de Filologia] da USC a partir das 19 horas de dia 10 de Maio. Na conferência de imprensa, o reitor da USC recordou Grândola como senha “da revolução em Portugal”, afirmando que esta celebração serve também “para valorizar o peso do movimento estudantil em Compostela naquela época”. Já o decano da faculdade, Elias J. Feijó Torres, classificou esta iniciativa como uma forma de mostrar “gratidão às pessoas que dedicaram o seu tempo e entusiasmo a combater o franquismo, também de forma cultural, artística e lúdica”. Também participante no encontro com a imprensa, a cantora galega Uxía sublinhou que esta comemoração é igualmente “um acto de amor à obra e à figura do Zeca.”

O colóquio iniciar-se-á com uma intervenção de Zélia Afonso, viúva do cantor, seguida de Maite Angulo Carballal, viúva do cantor galego Benedicto García Villar (1947-2018). Foi Benedicto quem, após ouvir pela primeira vez em casa de amigos, um disco de José Afonso, não descansou enquanto não o convenceu a ir cantar à Galiza. Segundo Arturo Reguera, num texto para o CD comemorativo Grândola Vila Morena – Para Sempre José Afonso, Benedicto contou no seu livro Sonata de Amigos que procurou José Afonso em Setúbal, propondo-lhe que fosse cantar à Galiza, o que viria a suceder numa digressão de três concertos: Ourense, Lugo e Santiago de Compostela, nos dias 8, 9 e 10 de Maio de 1972. No seu texto, Reguera, que assistiu a esses concertos, escreve: “[Produziu-se] um fenómeno que não sei se terá ocorrido alguma vez em qualquer outro lugar: um cantor desconhecido, de que quase nenhum dos presentes tinha ouvido falar, nem tinha ouvido uma única música, provoca um enorme entusiasmo naquela gente, que seguia as letras com o programa que se imprimira, com uma atenção que impressionou o Zeca, como contava de volta a Portugal […] aos seus amigos.”

Às intervenções de Zélia Afonso e Maite Carballal, seguir-se-ão as de Francisco Fanhais, presidente da Associação José Afonso (e também cantor e músico, que acompanhou José Afonso em gravações como a de Grândola e concertos) e o ex-presidente da Junta da Galiza, Emilio Pérez Touriño, que foi quem esteve encarregado de apresentar o recital de 1972. A condução do colóquio estará a cargo do jornalista Suso Iglesias, ex-director da TVG.

Depois do colóquio, haverá um concerto como as actuações de Uxía, João Afonso (sobrinho do cantor), Couple Coffee, Nacho com Faia e Lar e Xico de Carinho. A anteceder o concerto, com apresentação do actor Carlos Blanco, ouvir-se-ão ainda testemunhos de duas estudantes actuais da Universidade de Santiago de Compostela, Claudia Pernas e Iria Nande.

A forte ligação de José Afonso à Galiza materializou-se, entre outras coisas, na realização de um espectáculo em Agosto de 1985, em Vigo, já ele estava muito doente, com o objectivo de angariar fundos para ajudar nos tratamentos. Esse concerto, trinta anos mais tarde, foi editado num duplo CD pelas Edicións do Cumio (Vigo) e nele também se ouve a Grândola.

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