Crise e protestos levam a anúncio de demissão do primeiro-ministro do Sri Lanka

O chefe do Governo do Sri Lanka demitiu-se esta segunda-feira, o mais recente acto num país em profunda crise económica, que tem levado a protestos com dimensões inéditas.

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Apoiantes do Governo destroem acampamento de manifestantes que pedem a demissão dos irmãos Rajapaksa - o primeiro-ministro e o Presidente CHAMILA KARUNARATHNE/EPA

O chefe do Governo do Sri Lanka anunciou esta segunda-feira a sua demissão, o mais recente acto num país em profunda crise económica que tem levado a protestos com dimensões inéditas. O anúncio de Mahinda Rajapaksa, 76 anos, o irmão mais velho do Presidente, Gotabaya Rajapaksa, de 72, seguiu-se a protestos pró e anti-governo na capital económica do Sri Lanka, Colombo, em que os apoiantes do Governo atacaram os opositores.

A demissão foi anunciada por um comunicado do gabinete do primeiro-ministro, dizendo que o chefe do Governo se afasta para dar lugar a um governo interino de unidade, com todos os partidos, que foi uma “solução indicada por várias partes interessadas como a melhor para sair da crise”, acrescenta o comunicado.

“Assim, entreguei o pedido de demissão para que os próximos passos possam ser dados de acordo com a Constituição”, dizia ainda o chefe de Governo num comunicado citado pela agência Reuters. O New York Times dizia que se aguardava ainda que o irmão Presidente dissesse se aceitava a demissão do irmão primeiro-ministro.

Muitos manifestantes têm pedido o afastamento não só do chefe de Governo como do Presidente – a família Rajapaksa foi descrita pela Bloomberg como “a dinastia poderosa que levou o Sri Lanka à bancarrota em apenas 30 meses”. Além dos dois irmãos, vários membros da família tinham lugares no Governo ou Administração Pública. No mês passado, todo o governo apresentou um pedido de demissão – incluindo os membros da família Rajapaksa. Todos menos o primeiro-ministro.

Não é, por isso, ainda claro se a decisão do primeiro-ministro se demitir irá ser suficiente para que os manifestantes desistam do protesto, já que o Presidente é quem tem, actualmente, mais poder, sublinha o New York Times.

A demissão do primeiro-ministro foi o culminar de um dia violento em que a polícia impôs um recolher obrigatório por todo o país, a segunda vez que toma esta medida em pouco mais de um mês.

O foco da violência foi um ataque de apoiantes do Governo a um grupo que se manifestava pedindo o afastamento dos dois irmãos da liderança do país perto da residência dos dois em Colombo. Os agressores furaram linhas policiais (as autoridades não fizeram grande esforço para as manter, descreve a Reuters) que dividiam as duas manifestações e usaram paus e barras para agredir os manifestantes. A polícia disparou depois canhões de água e gás lacrimogéneo. Pelo menos 20 pessoas ficaram feridas ou tiveram de ser tratadas por terem inalado gás lacrimogéneo.

Os manifestantes vinham a acampar perto das residências oficiais das duas principais figuras do Estado do Sri Lanka. Os apoiantes do Governo incendiaram as tendas.

Alguns media locais diziam que esta acção dos apoiantes do Governo foi instigada pelo primeiro-ministro quando subiam de tom as vozes a pedir a sua demissão, mesmo no seu próprio partido.

Em resposta a um tweet de Mahinda Rajapaksa anterior à demissão pedindo “contenção” depois da violência o popular jogador de críquete Kumar Sangakkara respondeu que “a única violência” foi perpetrada pelos apoiantes do Governo.

O Governo está a pedir um empréstimo urgente ao Fundo Monetário Internacional – na semana passada, o ministro das Finanças, Ali Sabry, disse que tinha apenas 50 milhões de dólares de reservas de moeda estrangeira, essencial para pagar combustível, por exemplo. O país precisa de 40 milhões de dólares de gás todos os meses.

“Somos uma nação falida”, disse W.H.K Wegapitiya, presidente da Laugfs Gas, uma das duas principais empresas fornecedoras de gás do país. “Os bancos não têm dólares suficientes para abrir linhas de crédito e não podemos ir ao mercado negro.”

Além do gás de cozinha, faltam bens alimentares, medicamentos, combustível e tem havido cortes frequentes de energia eléctrica.

“Há uns sete meses, eu diria que havia um futuro para mim neste país”, disse à BBC uma manifestante, Nicola. “Mas nesta altura, já não vejo futuro nenhum.”

Uma mulher um pouco mais velha dizia que o protesto era uma espécie de último recurso: “Estou aqui para pelo menos poder dizer aos meus filhos que tentei”.

O correspondente da BBC Anbarasan Ethirajan conta como os protestos se realizam numa zona onde há uma década era impossível andar – era o tempo da guerra civil. Hoje, antigos inimigos estão juntos a pedir o afastamento do Governo, uma unidade rara num país dividido em etnias.

Prasanth Kumar, estudante da Universidade Jaffa no Norte de etnia tâmil, diz que o movimento é inédito. “Tanto quanto sei, nunca tivemos um movimento parecido na história do país, pelo menos, desde a independência”, da Grã-Bretanha, em 1948. “É a primeira vez que vejo todas as comunidades juntas por uma causa.”

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