Um museu para (tentar) decifrar o mistério Bob Dylan

Em Tulsa, no Oklahoma, vai inaugurar na terça-feira um museu em torno da vida, obra e legado de Bob Dylan. Só não se sabe, como sempre, se o próprio irá comparecer. A pré-inauguração, onde actuam Patti Smith ou Mavis Staples, acontece já este fim-de-semana.

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Centro Bob Dylan em Tulsa, no Oklahoma Lester Cohen/Getty Images for The Bob Dylan Center

Patti Smith, Elvis Costello ou Mavis Staples são alguns dos nomes da música que se deslocam este fim-de-semana até Tulsa, no Oklahoma, para a inauguração do Centro Bob Dylan, o museu e arquivo que celebra a obra e o legado do cantor-compositor e Nobel da Literatura de 2016.

Mas será que Bob Dylan vai estar presente? Essa é a pergunta a que ninguém sabe responder. O mais provável, como é seu timbre, é que tal não venha a acontecer, embora possa vir a surpreender os presentes. Nem o próprio director do centro, Steven Jenkins, sabe o que irá suceder, como confessou recentemente à imprensa. Uma coisa é certa: o músico tem a porta aberta para a qualquer momento visitar a instituição, embora há três semanas tenha estado em Tulsa, durante a sua actual digressão, e não tenha feito qualquer solicitação no sentido de conhecer o Centro.

Não é um comportamento inusitado em Dylan, que cumprirá 81 anos a 24 de Maio, e é conhecido pela personalidade idiossincrática e por ter uma relação difícil com o passado. Começou a carreira no início dos anos 1960, mas tem vindo a apresentar na mais recente digressão o material mais novo, como Murder most foul, canção de 2020 com quase 17 minutos, sobre o assassinato de Kennedy. Mais invulgar é ter um museu que lhe é dedicado em vida, que dá conta do seu impacto sobre a música popular e sobre os comportamentos e dinâmicas sociais de forma global.

Actuações que fizeram história

O Centro proporciona uma experiência cinematográfica imersiva, um espaço para apresentações ao vivo ou um estúdio interactivo onde os visitantes poderão exercitar a função de produção ou misturar diferentes elementos de instrumentação das canções de Dylan. O arquivo tem mais de 100 mil objectos, alguns dos quais estarão disponíveis apenas para estudiosos ou académicos, prevendo-se que a exposição permanente venha a conhecer muita actividade, sabendo-se que, para já, aquilo que irá estar patente é apenas uma ínfima parte do acervo. “Um organismo vivo em contínua expansão” é assim que os criadores do museu o encaram, argumentando que o mesmo constituirá uma experiência para o visitante casual que não conheça muito sobre a obra e o legado de Dylan, mas também para os mais conhecedores, indefectíveis e dedicados.

Segundo Steven Jenkins, Dylan não esteve envolvido directamente na selecção dos elementos expostos, nem na narrativa evidenciada. “Deixou-nos trabalhar livremente, embora exista entre os seus colaboradores bons amigos que deram algumas sugestões sobre os ambientes concebidos.” Na galeria principal, a vida de Dylan é retratada cronologicamente, com fotografias ou capas de álbuns mostrando a sua vida – desde o nascimento em 1941, em Duluth, até ao estatuto de laureado com o Prémio Nobel, um trovador itinerante que está Still on the road, como diz a exposição.

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Fachada no Centro Bob Dylan exibe fotografia que Jerry Schatzberg fez em 1965 do Nobel da Literatura Lester Cohen/Getty Images for The Bob Dylan Center)

Os visitantes, através dos guias-áudio, podem parar ao longo da mostra para ouvir actuações que fizeram história, como a digressão de 1966 pela Europa, quando escandalizou alguns amantes da acústica, trazendo uma guitarra eléctrica. Na inauguração, uma das exposições temporárias abordará a obra do fotógrafo Jerry Schatzberg, cuja imagem de Dylan, de 1965, está disposta na fachada de dois pisos do museu. O espaço tem 2700 metros quadrados e custou 10 milhões de dólares (aproximadamente 9500 milhões de euros), estando localizado num antigo edifício industrial. À entrada estará uma escultura de metal de 4,8 metros, desenhada e criada pelo próprio Dylan, havendo também uma sala com pinturas da sua autoria no encerramento da visita.

Tesouro nacional

Para o historiador Douglas Brinkley, um dos patronos do centro, a instituição irá proporcionar uma compreensão mais profunda do corpo de trabalho de Dylan, indo além da música. Recorde-se que Dylan ganhou o Nobel da Literatura em 2016 por criar “novas expressões poéticas dentro da grande tradição da canção americana”. “O Prémio Nobel fez com que os cépticos – aqueles que não gostavam da sua voz ou que pensavam que a sua arte estava apenas relacionada com o rock – acordassem e percebessem que é um dos maiores mestres literários, um tesouro nacional”, afirmou Brinkley. “Ele é um daqueles artistas que encarnam o melhor do espírito americano e é amado em todo o mundo.”

Dylan nasceu e cresceu no Minnesota, saltou para a fama em Nova Iorque e agora vive na Califórnia. Porquê um museu dedicado à sua vida e obra em Oklahoma? Porque em 2016 vendeu por 20 milhões de dólares o seu volumoso arquivo pessoal de seis décadas (objectos, fotografias, gravações raras, letras escritas à mão, cadernos, cartas, rascunhos, vídeos raros, filmes, instrumentos ou artefactos históricos como o tambor turco batido que inspirou a canção Mr. Tambourine Man) à Fundação Família George Kaiser, do multimilionário petrolífero George Kaiser, que se comprometeu a criar um centro para o acervo em Tulsa, onde está sediada a fundação. É também em Tulsa que está o Centro Woody Guthrie, também financiado pela Fundação Kaiser, um dos heróis musicais de Dylan, e o museu Gilcrease, que contém colecções de arte indígena, e esse contexto museológico também parece ter agradado ao músico.

Este fim-de-semana, para além de várias iniciativas para convidados, Costello, Smith e Staples apresentar-se-ão ao vivo numa espécie de pré-inauguração – o centro abrirá oficialmente ao público na próxima terça-feira. “O alcance do material e o seu impacto é quase inigualável”, acredita Steven Jenkins. “Mas não temos qualquer intenção de tentar explicar Bob Dylan. Três horas depois de imersão completa haverá ainda muito por saber. Por muito que tentemos, o homem no centro de tudo isto continuará, de alguma forma, a ser um mistério.”

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