A Rússia poderá vir a utilizar armas nucleares?

Há um consenso entre especialistas e responsáveis ocidentais de que as hipóteses de a Rússia vir a utilizar armas nucleares na guerra da Ucrânia são extremamente baixas. Mas, considerando as ameaças, que cenários estão em cima da mesa?

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EPA/MIKHAIL KLIMENTYEV / KREMLIN / SPUTNIK / POOL

No início da invasão russa da Ucrânia, o Presidente Vladimir Putin levantou indirectamente a possibilidade de um ataque nuclear contra quem interviesse no conflito. Aqui ficam a questões-chave em torno da hipótese de Putin vir a utilizar efectivamente estas armas – algo que muitos analistas e diplomatas ocidentais vêem como muito pouco provável.

Que tem dito a Rússia sobre armas nucleares na guerra na Ucrânia?

No discurso em que anunciou a invasão da Ucrânia a 24 de Fevereiro, Putin lançou um aviso disfarçado, mas inequívoco, de que se o Ocidente interviesse naquilo a que chamou de “operação militar especial” poderia vir a usar armas nucleares em resposta.

“Seja quem for, quem nos tentar impedir ou ameaçar o nosso país e o nosso povo, deve saber que a Rússia responderá imediatamente e as consequências tais que nunca foram vistas em toda a vossa história”, declarou, de acordo com uma tradução do Kremlin.

Três dias depois, a 27 de Fevereiro, Putin ordenou ao seu comando militar que colocasse as forças de dissuasão nuclear da Rússia em alerta máximo, justificando a decisão com o que chamou de declarações agressivas da parte dos líderes da NATO e com as sanções económicas ocidentais contra Moscovo.

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, um veterano da diplomacia, também mencionou o risco de uma guerra nuclear, embora tenha afirmado que Moscovo estava a fazer os possíveis para a evitar. “Não gostaria de elevar esses riscos de forma artificial. Muitos gostariam que isso acontecesse. O perigo é grave, é real. E não devemos subestimá-lo”, disse Lavrov na semana passada, declarações classificadas pelo Departamento de Estado dos EUA como “o cúmulo da irresponsabilidade”.

Ainda que Washington não tenha detectado quaisquer acções que indiquem que as forças nucleares russas estão de facto em alerta máximo, especialistas e responsáveis ocidentais têm vindo a advertir contra a desvalorização destes comentários, considerando que há o risco de Putin recorrer a armas nucleares caso se sinta encurralado na Ucrânia ou se a NATO entrar na guerra.

Que reacções tiveram os países da NATO às ameaças disfarçadas de Putin?

Responsáveis norte-americanos consideraram as declarações de Putin sobre a colocação das forças nucleares russas em alerta máximo perigosas, inflamatórias e totalmente inaceitáveis. Já o secretário-geral da NATO Jens Stoltenberg criticou-as como sendo agressivas e irresponsáveis.

Ainda assim, responsáveis americanos deixaram claro que não tinham visto sinais de que as forças russas tivessem mudado o seu comportamento quando ao nuclear, e asseguraram que não viam razão para alterar a sua própria posição.

A 28 de Fevereiro, o Presidente dos EUA Joe Biden disse aos americanos para não se preocuparem com uma guerra nuclear com a Rússia. Em resposta a uma pergunta sobre se os cidadãos norte-americanos deveriam preocupar-se com uma guerra nuclear, Biden foi claro: “não”.

Quais são as hipóteses de a Rússia vir a utilizar armas nucleares?

A declaração de Biden parece reflectir a opinião, consensual entre especialistas dos EUA e decisores ocidentais, de que as hipóteses de a Rússia vir a utilizar armas nucleares na guerra da Ucrânia são extremamente baixas. “Desde 1945, todos os líderes de uma potência nuclear têm rejeitado o uso de armas nucleares em batalha por excelentes razões”, escreveu Gideon Rose, antigo editor da revista Foreign Affairs, na semana passada.

“Putin não será excepção, não por causa de um coração mole, mas sim de uma cabeça dura. Ele sabe que se seguiria uma retaliação extraordinária e uma condenação universal, não havendo nem uma vantagem estratégica sequer comparável que as justificassem”, acrescentou.

O principal objectivo das ameaças vagas da Rússia de um potencial ataque nuclear parece ser dissuadir Washington e os seus aliados da NATO de se envolverem directamente na guerra, afirmam especialistas e diplomatas ocidentais. “Elas não são credíveis”, disse um diplomata ocidental que, tal como outros, falou sob condição de anonimato devido à sensibilidade da questão. “Ele está a tentar assustar o Ocidente”.

Como pode a Rússia utilizar uma arma nuclear?

Ainda que as nações Ocidentais tenham fornecido armas à Ucrânia desde a invasão, Biden declarou no ano passado que a hipótese de colocar tropas americanas no terreno na Ucrânia “não estava em cima da mesa”. Os Estados Unidos e os seus aliados não têm qualquer desejo de entrar numa guerra convencional contra a Rússia, muito menos de fazer algo que possa provocar uma guerra nuclear.

Se a Rússia usasse armas nucleares, haveria uma série de possibilidades, dizem os especialistas, desde uma detonação sobre o mar Negro ou numa parte desabitada da Ucrânia para demonstrar as suas capacidades, até um ataque contra um alvo militar ucraniano ou contra uma cidade. A utilização de uma arma nuclear na Ucrânia, no entanto, poderia pôr em perigo as tropas russas e levar resíduos radioactivos para a própria Rússia.

Como reagiria o Ocidente?

Alguns analistas referem que Washington poderia optar por uma resposta militar convencional em vez de um contra-ataque nuclear de iguais proporções, que poderia prejudicar os aliados dos EUA ou levar a uma nova escalada nuclear pondo em perigo a Europa ou os EUA.

“O que eu sugeriria em vez disso é que os Estados Unidos e a NATO respondam com uma força militar, política e diplomática esmagadora de forma a isolar ainda mais a Rússia e procurar assim pôr fim ao conflito sem causar uma escalada para uma guerra nuclear total”, disse Daryl Kimball da Associação de Controlo de Armas, um grupo sem fins lucrativos que procura informar o público sobre o controlo de armas.

De que forma poderia um ataque russo mudar a paisagem nuclear?

A NATO poderia tentar redesenhar o seu escudo antimísseis na Polónia e na Roménia, de tecnologia norte-americana, para abater rockets russos no futuro. Há muito que a NATO afirma que a forma como este escudo está actualmente concebido visa deter mísseis do Irão, da Síria e de outros actores-párias do Médio Oriente.

Não é claro se um ataque russo poderia tornar outros Estados nucleares, como a Índia e o Paquistão, mais propensos a utilizar as suas armas. Especialistas referem que uma condenação global poderia reduzir as hipóteses de outros virem a utilizar armas nucleares.

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