Crianças, medos e guerra: mistura explosiva

O processo de transmissão das notícias, com emissões em directo, evidencia que o jornalismo televisivo passou a ser de “revelação” em detrimento da comprovação e da investigação.

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"A conversa a ter e as respostas a dar deverão ser assertivas e genuínas" Darek Delmanowicz/Arquivo

Desde o início da invasão da Ucrânia pela Federação Russa, que imagens terríveis dos bombardeamentos, da brutalidade sem limites e das atrocidades cometidas por militares russos passaram a ser diárias nos ecrãs de televisão de todos os lares, num novo modo “guerra em directo”.

O processo de transmissão das notícias, com emissões em directo, evidencia que o jornalismo televisivo passou a ser de “revelação” em detrimento da comprovação e da investigação. As imagens captadas são assim trazidas, quotidiana e repetidamente, como forma de denúncia da infame e desumana invasão.

Os directos produzidos com imagens de violência, sofrimento, morte e destruição passaram a fazer parte do dia-a-dia televisivo das famílias, em horário nobre e em momentos em que a maioria do agregado familiar se junta para uma refeição.

Em muitos lares, crianças e adolescentes percepcionam pela primeira vez a presença desses sinais de morte e destruição dando origem a perguntas dos mais novos sobre o seu significado, o que nos coloca sob a pressão de encontrar respostas e explicações adequadas.

Se, por um lado, devemos estimular a curiosidade e a importância de questionarem a respeito de tudo o que vêem e ouvem, não devemos, por outro, nem “dourar” nem minimizar o que percepcionam, tendo atenção ao seu nível de entendimento e ao seu quadro de referências.

A conversa a ter e as respostas a dar deverão ser assertivas e genuínas. Fugir à verdade sobre este assunto (ou outro, qualquer que seja) trará consequências muito negativas no futuro. Se a criança descobre uma outra versão vinda da professora/educadora ou de outro adulto significativo, poderá ser levada a ouvir com desconfiança futuras explicações.

Outro facto a ter em conta consiste no pressuposto de que a não explicação/mediação do que se está a passar potenciará a sua ansiedade, temor, receio e insegurança. O importante é que a criança sinta que está segura, que nenhum “daquele mal” lhe acontecerá. Será um momento apropriado para uma conversa sobre cidadania partilhada, para que tome consciência de que a guerra e a violência, seja qual for a forma que assumam, nada resolvem, e de que há muitas pessoas que desejam a paz e que tudo estão a fazer para que aconteça.

A guerra e a violência associada podem alterar significativamente a forma como as crianças sentem e pensam, e podem mesmo levá-las a questionar se o meio em que se movem é seguro e previsível. Perante uma guerra, é natural que se sintam confusas, perturbadas, ansiosas, assustadas, preocupadas ou tristes.

Escutando-as, ouvindo os seus receios, comentários e opiniões, poderemos trabalhar valores intemporais como o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, espelhados no articulado da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Podem recear pela sua segurança e pela da sua família e amigos. Podem revelar alterações nos padrões de sono (por exemplo, ter pesadelos, dificuldade em adormecer ou acordar mais cedo do que o habitual), no comportamento, perder o apetite ou manifestar dificuldades em manter a atenção e a concentração.

É importante que não fujamos ao tema nem menosprezemos o que se está a passar, não temendo demonstrar as nossas emoções de raiva, tristeza ou repúdio, nunca nos esquecendo de explicar que os líderes políticos não são o povo e evitar a dicotomia: países bons/países maus.

Os pais (ou outros adultos membros do agregado familiar) devem estar atentos às reacções das crianças quando visionam as imagens de guerra, sobretudo quando são muito pequenas, e actuar como mediadores na leitura dessas imagens e sons televisivos. Só assim poderão ajudar a filtrar, diluir, confrontar, interpretar e atribuir significados aos conteúdos apresentados, mas sem sobrecarregar com informação desnecessária, que não será processada.

Não nos esqueçamos de derrubar o estereótipo associado à ideia de que são as pessoas mais tímidas, as que escondem as emoções, que mais sofrem, por não as conseguirem exteriorizar. Este comportamento é, também, recorrente em pessoas extrovertidas e a supressão emocional pode conduzir a problemas não apenas do foro psíquico mas igualmente para a saúde física.

A verdade é que a dimensão desta guerra no leste europeu e as suas atrocidades não vieram, neste tempo pós-pandémico, ajudar ao reajuste dos equilíbrios emocionais. Assim como a saúde mental dos adultos ficou abalada devido à crise sanitária da covid-19, também a das crianças se alterou. Estão mais sensíveis, mais medrosas, mas ansiosas, porque não possuem a mesma capacidade cognitiva dos adultos para compreender e gerir emoções.

Ora, as imagens e as conversas sobre a guerra, a morte, a desolação e, principalmente, o temor que lhes possa acontecer o mesmo, poderão potenciar desequilíbrios que afectem o sono ou o apetite, ou originem comportamentos inadequados. Cabe aos pais estarem atentos a estes sinais de condutas atípicas, para evitarem danos futuros.

Um aspeto particular a ter em conta prende-se com o cuidado relativamente a crianças filhas de militares, nas quais o medo da separação e da morte poderá revelar-se ainda mais acentuado.

O importante é acompanhar o seu “olhar” sobre os acontecimentos e levá-las a compreender que existem formas diferentes de gerir conflitos, sendo que a violência, em qualquer das suas manifestações, nunca será a solução. Na Ucrânia, na Escola, na Família.

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