Regras a observar nos acordos sobre as responsabilidades parentais

Seria expectável que um pai e uma mãe preocupados com o bem-estar – e, já agora, com a saúde mental – dos seus filhos conseguissem sozinhos acertar estes pequenos detalhes que, por uma razão ou por outra, ficaram omissos do acordo ou da sentença judicial.

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"Impõe-se que os acordos (e sentenças judiciais) sejam tão exaustivos quanto possível" Miguel Manso/Arquivo

Pais e mães envolvidos em conflitos parentais muito acesos conhecem poucos limites. Num processo em que intervenho, um pai, no início do seu período de férias com as filhas, insiste em ir buscá-las a casa da mãe à meia-noite e um minuto. Diz ele que, após a meia-noite, já é o “seu dia” e nem pensar em deixá-las um minuto mais na companhia da mãe... Parece anedota, mas não é.

Um pai que assim procede não está, como é evidente, preocupado com o bem-estar das filhas, apesar de o apregoar, utilizando-as como armas numa guerra que move à mãe das crianças. E, nesta guerra sem quartel, vale tudo, nomeadamente obrigar as meninas a irem para sua casa a meio da noite, ameaçando mãe e filhas que chamará a polícia se as crianças não lhe forem entregues. Imagine-se o terror em que vivem estas crianças, com cerca de dez anos de idade, sempre que se aproxima o dia e a hora de uma destas “trocas”.

E tudo isto se passa porque, no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais em vigor não se previram as horas a que se inicia o primeiro dia de férias com o pai e com a mãe.

Seria expectável que um pai e uma mãe preocupados com o bem-estar – e, já agora, a saúde mental – dos seus filhos conseguissem sozinhos acertar estes pequenos detalhes que ficaram omissos do acordo ou da sentença judicial que definiu o regime de exercício das responsabilidades parentais. Os tribunais de família, porém, estão cheios de processos em que se discutem disparates como este de que aqui dou conta.

A fim de evitar que, a pretexto destas omissões, um dos progenitores possa mover uma guerra ao outro, com claro prejuízo das crianças, impõe-se que os acordos (e sentenças judiciais) sejam tão exaustivos quanto possível. E tal é especialmente verdadeiro nos casos em que o nível de litigiosidade entre o casal parental for muito elevado.

Assim, os regimes devem prever os locais e horas a que se fazem as “transições” das crianças: quando deixam de estar ao cuidado de um dos progenitores e são entregues ao outro. Sempre que possível, estas mudanças devem ocorrer na escola, a fim de evitar interações desnecessárias: um dos pais deixa a criança na escola de manhã e à tarde será o outro a ir buscá-la. Nestes casos de conflitos mais exacerbados, as “trocas” em casa de um ou de outro são de evitar pois, muitas vezes, prestam-se a brigas e altercações frequentemente presenciadas pelas crianças.

É conveniente que se indiquem os critérios para a fixação dos dias em que as crianças passarão férias com cada um dos progenitores nos períodos de Natal e Ano Novo, Carnaval, Páscoa e verão. Nos casos em que os progenitores são incapazes de chegar a qualquer consenso, será porventura até conveniente que os períodos de férias sejam sempre os mesmos (por exemplo, o período de férias de verão junto do pai será sempre de 1 a 15 de Agosto).

O mesmo sucede relativamente às datas festivas. O regime deverá especificar um critério objetivo que permita apurar com qual dos progenitores passará a criança, em cada ano, a véspera e dia de Natal, véspera e dia de Ano Novo, dia de Carnaval, sexta-feira santa e domingo de Páscoa, aniversário da criança, aniversários de familiares e outras pessoas de referência da criança, dia do pai e dia da mãe. E ainda o que acontece nos demais dias feriados. Nada impede, claro está, que sejam fixadas mais ou outras datas festivas, o que acontece sobretudo com famílias que não professam a fé católica. As horas e locais onde se realizam as “trocas” deverão ser indicados, assim como a responsabilidade pelo transporte das crianças.

As atividades extracurriculares são outra fonte habitual de diferendos. O regime deve prever o critério para inscrição da criança ou jovem em atividades desportivas ou lúdicas, definindo se carece ou não do acordo de ambos os progenitores. E estipular também quem será responsável pelo pagamento dos custos com a atividade extracurricular e transporte da criança até ao local respetivo.

Um regime que implique a obtenção de consensos pressupõe progenitores funcionais e cooperantes, apostados no bem-estar dos seus filhos. Nos casos em que o foco dos pais é o conflito, e não as crianças, então será prudente não deixar em aberto aspetos que são fonte tradicional de conflitos, tentando regulá-los de forma exaustiva. É o bem-estar e a sanidade mental das crianças que o reclama.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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