O sentido de propósito: afinal por que estamos a assistir a esta guerra?

Quando falamos em propósito a dimensão dos outros assume um lugar importante.

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"É este mesmo propósito que garante a sobrevivência física e emocional de tantos ucranianos" ANTÓNIO PEDRO SANTOS/Lusa

Recebo muitas pessoas em consultório a sentirem que as suas vidas deixaram de fazer sentido, especialmente depois da pandemia e com o peso da guerra. Pessoas cansadas da sensação de se levantar para sair da cama, arrastarem para o trabalho e regressarem a casa, passando pelo ginásio ou supermercado, sem retirarem satisfação ou entenderem o significado da forma como passam os dias.

O encontro com este vazio de sentido é assustador, com insatisfação invadindo cada vez mais dimensões, começam os questionamentos “O que se passa comigo?”, “Eu não era assim…”. Falamos de sentido de propósito, da razão pela qual estamos aqui, a razão que nos leva a acordar e levantar de manhã. A faísca que precisamos para acender a paixão de viver.

Os japoneses chamam-lhe ikigai, nós por cá, é sentido de propósito: o sentido de viver, que fica na intersecção entre o que fazemos em que somos bons, o que o mundo precisa, o que nos apaixona. Uma reflexão relativamente acessível quando há serenidade e estabilidade, porém ganha novos contornos quando nos encontramos em crise, em fases de mudança, em momentos de perdas, como a pandemia e a guerra.

Momentos em que somos invadidos pelo medo de não encontrar um sentido que se encaixe num referencial conhecido, que se multiplica em angústia e ansiedade, na busca desenfreada por alguma coisa. Por dar um significado ao que se está a viver, ao que se está a passar. Esta é uma das razões que faz com que a percentagem de pessoas que assistem à guerra tenha aumentado os seus níveis de ansiedade e depressão.

Por outro lado, é este mesmo propósito que garante a sobrevivência física e emocional de tantos ucranianos no campo de batalha. A forma como o Presidente do país reforça, sublinha e enaltece a razão pela qual devem manter-se unidos e a lutar com tanta garra e força que alimentam a sua fé e dá um sentido à sua luta. Trazendo forças que muitos deles desconheciam.

A falta de sentido que surge durante a crise é uma estratégia emocional de sobrevivência, pois nestes momentos o importante é que haja um enraizamento no “aqui e agora”, temos que manter a agilidade, activos e alerta para o que “der e vier”. Os momentos de crise trazem muita imprevisibilidade e se pararmos para pensar: “Por que razão estou aqui?” trazemos uma nova perspectiva para a equação, a nossa missão, o nosso contributo para um bem comum. Afinal, quando falamos em propósito a dimensão dos outros assume um lugar importante.

Com esta reflexão, é possível interromper o vazio e caos emocional de um momento de crise e utilizar essa energia para assumir novos papéis e contributos. Ora olhemos para a questão da guerra da Ucrânia: O que sou bom a fazer? O que me apaixona? O que o mundo precisa? Como posso contribuir para o bem-estar de outros?

Tal como qualquer reflexão, esta exige tempo, auto-reflexão e conhecimento. E se esta busca for difícil, se o vazio se mantiver no tempo, não hesitemos em procurar ajuda psicológica especializada.


Psicóloga clínica, fundadora da Be Human

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