Mães migrantes: uma urgência feminista

A questão da maternidade nas mulheres migrantes deve ser abordada diferencialmente, globalmente e comunitariamente pela União Europeia de forma a envolver os estados num pacto comum.

No meio da guerra dos homens falta espaço para nós, mulheres, colocarmos na agenda política a urgência da criação de um fórum mundial sobre a maternidade em contexto de migrações. A questão é de tão urgente debate quanto os milhares de fluxos migratórios que se fazem entre fronteiras, na Europa, não só pelas agora mais audíveis mulheres ucranianas no meio de um conflito geopolítico com contornos bélicos, mas também pelas outras mulheres oriundas da África, da Ásia, da América Latina e também de alguns países do Leste da Europa para as quais é preciso criar “lugares fêmea” onde possam assegurar a dignidade dos seus ciclos hormonais, de menstruação, ciclo de vida, gravidez, pré-natal, parto e neonatal.

É importante que se perceba que estas mulheres migrantes em trânsito estão em situação de não residência e/ou sem abrigo por longos períodos de tempo, suprimidas de zonas de privacidade onde possam acompanhar e higienizar os seus ciclos biológicos e de zonas de segurança onde possam cuidar da saúde ginecológica.

Também neste contexto de deslocações geográficas de longo curso, as mulheres migrantes vêem-se muitas vezes em situações de gestação sem qualquer acesso a cuidados de saúde durante os ciclos de gravidez. Sendo que não podemos afirmar que todas as gravidezes são desejadas, podemos inferir que em situação de insegurança geográfica muitos destes ciclos de gravidez podem ser efetivamente indesejados ou ainda resultado de relações forçadas.

Sem que possam recorrer a cuidados médicos de emergência, estas mulheres quer queiram, por um lado, livremente e em consciência optar pela interrupção de uma gravidez não desejada ou mesmo forçada ou quer queiram, por outro lado, livremente e em consciência dar continuidade ao ciclo de gravidez, elas não são só mulheres migrantes com vulnerabilidades várias que podem ser cumulativas – como as de origem, território, língua, etnia, religião – mas assumem o estatuto de mulheres em risco, daí que o cuidar destas mulheres em família ou fora dela se assuma como uma obrigação dos Estados.

Estas mulheres devem ter garantido o acompanhamento de forma segura e o acesso a cuidados médicos nas fases de pré-diagnóstico, diagnóstico, vigilância e acompanhamento, reforçando o acesso a exames completos sobre o sua saúde pré-natal e acautelando partos seguros – não são poucas as histórias de mulheres que dão à luz no meio do mar ou entre fronteiras sem qualquer vigilância médica – e cuidados neonatais que protejam a saúde do neonato, da mãe e da família que, constituída, deve passar a ter obrigatoriamente regulamentação jurídica diferenciada.

Sempre que alegado pela mulher o direito à interrupção voluntaria da gravidez, este deve ser urgentemente respondido pelas autoridades de saúde independentemente da situação documental em que esta mulher se encontre; se afirmado o direito da mulher e/ou família à gestação cabe urgente resposta, vigilância e acompanhamento pelas autoridades de forma multissetorial, assegurando o acesso à saúde e aos cuidados médicos durante todo o ciclo de gravidez e neonatal, mas também regulando, para estes casos, exceções jurídicas como o acolhimento em residências temporárias, garantia de permanência em território fixo e situado fora de zonas de vigilância policiada, promoção da integração da família no contexto social, local, comunitário, de trabalho e de acolhimento estatal, assumindo-se o local migratório ou de refúgio como Estado de acolhimento de cidadão não-nacional.

A questão da maternidade nas mulheres migrantes deve ser abordada diferencialmente, globalmente e comunitariamente pela União Europeia de forma a envolver os estados num pacto comum que torne cada um dos 27 membros em estados responsáveis pelo ciclos de maternidade das mulheres em situação migrante, legislando de forma a que transitem obrigatoriamente de país fronteira para país de acolhimento não só por ser esta uma questão biológica e da natureza humana, mas também porque no seu âmago refere um conjunto de direitos como o do direito à vida ou direito fundamental de qualquer mulher à gestação com segurança tendo como fim último o garante da humanidade e de um novo ciclo de vida pleno de dignidade.

Esta é uma prioridade feminista e intersecional que, nós, mulheres e homens pró-feministas temos de reivindicar já. A Crescer - Associação de Intervenção Comunitária deu um primeiro passo e há uma petição online que pode assinar aqui.

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