Morreu Ron Galella, o fotógrafo que se tornou famoso por retratar os famosos contra a vontade deles

O paparazzo americano a quem Jacqueline Onassis interpôs uma providência cautelar e que foi esmurrado por Marlon Brando tinha 91 anos.

Foto
Andrew Toth/Getty Images

Ao longo de uma carreira de várias décadas, Ron Galella fotografou quase toda a gente famosa que havia nos Estados Unidos. Marlon Brando deu-lhe um soco; Jacqueline Onassis interpôs-lhe uma providência cautelar, que ele quebrou várias vezes; foi também espancado pelos guarda-costas de Richard Burton... Mas era o fotógrafo favorito de Andy Warhol, que dizia partilhar com ele “a mesma doença social": uma obsessão por celebridades. As suas fotografias, muitas a preto-e-branco, chegaram às galerias de arte. Morreu este sábado, aos 91 anos, em Nova Jérsia, de insuficiência cardíaca congestiva, noticia o The New York Times.

Galella, o paparazzo americano por excelência, nasceu no Bronx, Nova Iorque, em 1931, e tinha ascendência italiana. Nos anos 1950, foi fotógrafo da Força Aérea americana, altura em que documentou a Guerra da Coreia. Depois estudou fotojornalismo no ArtCenter College of Design, em Los Angeles, além de representação e encenação na Pasadena Playhouse. Nos anos 60, a mesma década em que A Doce Vida (1960), de Federico Fellini – que também passou pela lente de Galella –, popularizou o termo “paparazzo”, transformou o hobby de fotografar celebridades a chegarem às antestreias numa profissão e num modo de vida. As suas fotografias chegaram a todo o tipo de publicações com alguma notoriedade: Time, New Yorker, Rolling Stone, Vanity Fair, Vogue, Harper's Bazaar, Life, People, e mesmo a outras menos notáveis, como o National Enquirer.

Fotografou a velha e a nova Hollywood, de Ava Gardner, Charles Chaplin e Cary Grant a Jack Nicholson; de Bette Davis e Alfred Hitchcock a Robert De Niro; de Elizabeth Taylor, Sophia Loren e Grace Kelly a Al Pacino... Lançou vários livros: um deles, produzido por Tom Ford e com prefácio de Diane Keaton (cuja relação com Woody Allen também foi “apanhada” por ele nas ruas de Nova Iorque); outros dedicados a figuras como Donald Trump e Michael Jackson, mas também a temas e modas, como a do discosound. E fotografou ainda John Lennon, Paul McCartney, Mick Jagger, Barbra Streisand, Elizabeth Taylor, Simon & Garfunkel, David Bowie, Duke Ellington, Louis Armstrong, Bob Dylan, Taylor Swift, a Princesa Diana e Muhammad Ali... Uma lista interminável!

Um murro e cinco dentes partidos

Os estratagemas que usava para desempenhar a sua profissão envolviam frequentemente ficar escondido à espera ou perseguir as pessoas, subornando porteiros, motoristas e outros intermediários que se cruzavam com celebridades – Ron Galella recorria a tudo para as apanhar da forma que considerava a melhor: desprevenidas. Entre os episódios mais mediáticos da sua carreira, contam-se os já mencionados conflitos com Marlon Brando e Jacqueline Onassis. O actor esmurrou-o em 1973, em Chinatown, Nova Iorque, quando o fotógrafo o perseguiu até um restaurante. Galella ficou sem cinco dentes e, depois de processar Brando, ganhou 40 mil dólares (cerca de 38 mil euros, o equivalente a 246 mil euros, hoje). Na biografia publicada no site oficial do fotógrafo, surge o adjectivo “cobarde” para falar do actor.

Há também referência aos guarda-costas de Richard Burton, que o espancaram, e a “batalhas legais de elevada visibilidade” com Jackie Onassis, que o perseguiu intensamente e interpôs várias providências cautelares, que mesmo assim Ron quebrou. Jackie foi a protagonista de Windblown Jackie, a sua fotografia mais famosa, tirada nas ruas de Nova Iorque, em 1971, depois de o fotógrafo a ter visto e seguido de táxi. No ano seguinte, foi julgado, e a então mulher do magnata Aristoteles Onassis disse que o pararazzo tinha tornado a sua vida “intolerável, quase impossível de viver”.

Continuou a fotografar as stars em várias antestreias de filmes, nos anos 1980 e 1990. Há uma conta de Instagram, Movie Premieres Unlimited, dedicada a mostrar como as estrelas se vestiam nessa altura, e na qual o seu trabalho, tirado do arquivo da Getty Images, é recorrente. Como é que Samuel L. Jackson foi vestido a uma estreia em 1998? Está lá. Steven Spielberg em 1983? Julia Roberts no ano 2000? Tudo captado pela lente de Galella, que também fixou os estilos mais arrojados do cómico Jon Lovitz e Jason Alexander, o George de Seinfeld, duas figuras recorrentes nessas estreias.

O seu trabalho haveria de chegar aos museus, e Ron Galella está hoje representado nas colecções do Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque, da Tate Modern em Londres, e do Helmut Newton Foundation Museum of Photography, em Berlim, entre muitas outras instituições respeitáveis, apesar da polémica que desde o início da sua carreira envolveu a forma, frequentemente ilegal, que tinha de chegar às fotografias.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários