Vamos beber um café e falar da nossa ansiedade climática?

Universidade britância e associações de saúde mental organizam encontros mensais nos quais jovens podem partilhar, num ambiente seguro e sem julgamento, emoções negativas associadas à crise climática.

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Rapariga manifesta-se em greve climática no Reino Unido em 2019 Reuters/Simon Dawson

Entidades britânicas uniram-se para criar um projecto e ajudar jovens universitários a gerir melhor os sintomas da ansiedade climática. A ideia é que os estudantes possam ter espaços de partilha onde expressam as preocupações com o clima e recebem apoio. Uma das soluções propostas é o Café Climático, um encontro mensal no qual os participantes podem partilhar emoções uns com os outros, participando numa conversa dinamizada por dois moderadores.

O Café Climático insere-se na iniciativa sUStain – nome que brinca com as palavras correspondentes em inglês a “nós” e “apoiar”. E nasce de uma parceria entre a associação dedicada à saúde mental Norfolk & Waveney Mind, a Universidade de East Anglia (UEA) e a Aliança Psicologia do Clima. “Não somos especialistas em crise climática. O nosso objectivo é criar um espaço com confidencialidade e sem julgamento onde os jovens possam falar do que lhes vai no coração. Recebemos entre 10 e 12 participantes de cada vez, para manter uma atmosfera segura durante as conversas, que duram cerca de uma hora. Há sempre bolo, café e sumos e um ambiente informal”, explicou ao PÚBLICO Caroline Fernandez, coordenadora da sUStain na Norfolk & Waveney Mind.

Caroline Fernandez explica que a associação, desde 2018, tem recebido um número crescente de pedidos de ajuda de pessoas que expressam diferentes respostas emocionais em relação à crise climática: tristeza, culpa, vergonha, medo, desespero e raiva, por exemplo. Estas queixas são, segundo a entidade do Leste da Inglaterra, particularmente prevalentes entre os jovens. E daí a importância de a iniciativa ter uma parceria com a universidade local. O objectivo é claro: transformar as preocupações com clima em acções positivas.

“Vemos uma tendência preocupante entre os nossos alunos: sentem-se angustiados e distraídos com os crescentes impactos das mudanças climáticas. Estamos empenhados em oferecer à nossa comunidade estudantil oportunidades para encontrar capacidade de acção, e recuperar o bem-estar e equilíbrio diante deste desafio global”, refere Claire Pratt, responsável pelo serviço de apoio aos estudantes da UEA.

“As pessoas sabem que o clima é um assunto que causa ansiedade, mas que não é falado com muita frequência. Ouvir as palestras incríveis dos intervenientes [no Café Climático] fez-me sentir com maior controlo da situação ao falar sobre minhas próprias experiências. As pessoas têm medo de se sentir vulneráveis, mas quando começamos a falar, percebemos que estamos todos no mesmo barco”, afirmou à BBC um estudante de medicina da UEA que participou numa sessão do Café Climático no dia 26 de Abril.

Em Portugal, os jovens também estão angustiados com a crise climática. Um estudo pré-publicado na Lancet em 2021 revela um profundo nível de preocupação no grupo etário entre os 16 e os 25 anos, afectando a forma como esta população encara o futuro. Oito em cada dez jovens portugueses acreditam que “o futuro é assustador” face à mudança do clima. E mais de dois terços acreditam que os governantes estão a falhar na acção climática. O estudo, financiado pelo grupo de pesquisa e mobilização Avaaz, recorreu a inquéritos com jovens de Portugal, Austrália, Brasil, Finlândia, França, Filipinas, Estados Unidos, Índia, Nigéria e Reino Unido. Os jovens portugueses expressam maior desassossego que a média dos dez países.

Já houve um Café Climático também em Portugal. Tratou-se de um evento online organizado em Dezembro de 2021 em pela associação ECOPSI - Psicologia e Clima. O objectivo é semelhante: promover encontros em pequenos grupos para partilha de emoções, medos e incertezas despertados pela crise climática”, refere o convite para o primeiro encontro numa rede social.

Modelo inspirado no Café da Morte

Os Cafés Climáticos seguem o formato já utilizado pela Aliança Psicologia do Clima, entidade que já vinha dinamizando encontros com videoconferência sobre a morte durante a pandemia. Era o chamado Death Café (Café da Morte, numa tradução livre). “Há um tabu sobre o luto da mesma forma como existe uma dificuldade em falar sobre a ansiedade climática. Os nossos encontros ajudam a normalizar estes sentimentos”, sublinha Caroline Fernandez. ​O modelo prevê treinamento de facilitadores para que novos grupos possam nascer. Uma vez que o projecto que dinamiza o Café Climático financiamento assegurado só até Março de 2023, a ideia é incentivar voluntários a reproduzir o modelo e garantir que o projecto deixa um legado.

“A iniciativa sUstain é pioneira em abordagens lideradas pela comunidade para dar apoio a pessoas com ansiedade ecológica. Isto será cada vez mais necessário à medida que a crise climática se intensifica”, refere Judith Anderson, presidente da Aliança Psicologia do Clima, numa nota da associação Norfolk & Waveney Mind.

Além dos estudantes da Universidade de East Anglia, podem beneficiar do apoio do sUStain adultos que vivam quer em Norwich (ou arredores), quer em comunidades urbanas e agrícolas de Norfolk. A porção Norte deste condado já apresenta sinais evidentes de erosão costeira e subida das águas. As pessoas que vivem nestas zonas rurais estão, segundo a Norfolk &Waveney Mind, num contexto de maior “privação social”. Podem, portanto, estar mais expostas a episódios de “solastalgia” – uma das palavras usadas para nomear o desconforto emocional causado pelas mudanças no ambiente. O neologismo foi criado pelo filósofo australiano Glenn Albrecht, que publicou em 2005 uma obra sobre o sentimento de inquietude perante modificações negativas num ecossistema.

As intervenções começaram a ser oferecidas a estas populações específicas em Fevereiro. As abordagens utilizadas para gerir a ansiedade ecológica e o luto climático incluem, refere a associação, a “esperança activa” e o “trabalho que reconecta”. Esta última procura que as pessoas que sofrem não só com a crise do clima, mas também com a perda da biodiversidade possam recuperar o ânimo. São organizados vários eventos e encontros – incluindo o Café Climático – nos quais o impacto emocional das alterações climática é “normalizado”. Há ainda um programa com duração de sete semanas baseado no chamado “mindfulness” e no modelo “esperança activa”, descrito no livro (e curso homónimo) Active Hope.

“Uma vez que os níveis de ansiedade em relação ao clima estão a aumentar de forma tão visível quando os mares estão a invadir nossa bela costa, sentimo-nos compelidos a dar uma resposta, para que possamos lidar com mais resiliência com a magnitude desta emergência”, explica Ruth Taylor, gestora de desenvolvimento social da Norfolk & Waveney Mind. A responsável garante que a esperança activa é uma habilidade que qualquer um pode aprender e colocar em prática, mesmo quando se sente sem esperança e impotente. “Ao compartilhar estes sentimentos nos nossos cafés e cursos climáticos, podemos estar juntos e encontrar novas perspectivas que nos inspirem a ter acções positivas”, afirma Ruth Taylor, impulsionadora do Café Climático.

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