Bill McKibben: “Na acção climática, Wall Street pode ser mais eficaz do que a ONU”

Bill McKibben considera que a conferência do clima em Glasgow foi “uma decepção” e o caminho a seguir é pressionar o sector financeiro a agir. As acções individuais são meritórias, mas agora é o momento de “nos organizarmos em movimentos grandes o suficiente para serem importantes”.

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Bill McKibben criou a organização Third Act, que quer reunir ambientalistas com mais de 60 anos Jason Merritt/Getty Images

O ambientalista e escritor norte-americano Bill McKibben acredita que a eliminação do uso de combustíveis fósseis poderia ter um duplo efeito: tornar o planeta e os sistemas políticos mais saudáveis. Isto porque onde existe gás e petróleo há também “um poder extraordinário” concentrado nas mãos de poucas pessoas, favorecendo regimes autocráticos como o de Vladimir Putin. “Ninguém poderá bloquear o fornecimento de luz solar”, argumenta o autor de The End of Nature (1989), considerado o primeiro livro de divulgação científica sobre alterações climáticas.

McKibben acredita que o caminho a seguir agora na acção climática é persuadir o sector financeiro a agir. As acções individuais são meritórias, afirma o fundador da campanha 350.org, mas não conseguiremos atingir as metas do Acordo de Paris apenas reciclando plásticos e usando carros eléctricos. ​“Não podemos mais pensar individualmente, temos de descobrir como nos organizar em movimentos grandes o suficiente para serem importantes”, acredita o escritor, que criou recentemente a organização Third Act com o objectivo de reunir pessoas com mais de 60 anos para pressionar a esfera financeira em Wall Street.

Afirmou recentemente, num artigo publicado no Guardian, que as autocracias constituem não só uma ameaça política, mas também uma ameaça climática. Então, se conseguirmos reduzir drasticamente a dependência global de combustíveis fósseis, teremos também sistemas políticos mais saudáveis?
Sim. Os combustíveis fósseis, por natureza, estão concentrados em lugares específicos, pequenos depósitos espalhados pelo mundo. As pessoas que controlam essas reservas possuem um poder extraordinário. É por essa razão que damos atenção a Vladimir Putin e ao rei da Arábia Saudita. Pela mesma razão, os irmãos Koch [Charles e David Koch] foram capazes de dominar a política norte-americana. Eram os barões do gás e do petróleo e usaram o dinheiro da família para comprar o Partido Republicano. A boa notícia é que aquilo que pode substituir os combustíveis fósseis está disponível em todo lado: sol, vento e baterias. Ninguém poderá controlá-los como o petróleo e o gás foi controlado até aqui. Haverá certamente pessoas que ficarão ricas à custa da energia solar, mas não mais à maneira de Putin. Porque uma vez instalados os painéis solares, o Sol vem e produz a energia de graça. Ninguém poderá bloquear o fornecimento de luz solar como Putin tem ameaçado fazer com a Europa, ou como a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) fez nos anos 70.

Defende que devemos persuadir o mundo do dinheiro a agir contra a crise climática. Acredita que este é o melhor caminho porque é uma estratégia eficaz ou apenas porque já não temos mais tempo?
Porque é o caminho mais rápido. A melhor abordagem seria que os líderes mundiais se unissem e adoptassem uma política cientificamente sólida, rápida, inteligente e coordenada. Mas, com toda a sinceridade, não acho provável que isto aconteça. A recente conferência do clima em Glasgow foi uma decepção. Creio que todo este processo das Nações Unidas tenha atingido seu ponto alto em Paris [em 2015]. Não sei como é em Portugal, mas aqui nos Estados Unidos, mesmo tendo um Presidente comprometido com a acção climática [Joe Biden], não conseguimos passar nada no Congresso. Daí a minha posição de que confiar apenas em sistemas políticos é insuficiente. Se não contamos muito com a esfera política, o único outro sistema grande o suficiente para fazer a diferença é o financeiro. Isto não quer dizer que o campo da política não é importante – é, e muito. Mas é crucial pressionar o nosso sistema financeiro e eu tenho dedicado muito tempo a esta tarefa. Porque o mundo do dinheiro é global. Se conseguimos uma mobilização forte em Wall Street, Frankfurt ou Londres, ela se espalhará pelo mundo muito rapidamente. Nesse sentido, Wall Street é provavelmente mais eficaz que do que as Nações Unidas.

Acredita que a guerra na Ucrânia vai acelerar a transição energética?
Sim, penso que aceleraria se fôssemos inteligentes. É a coisa certa a fazer para apoiar a Ucrânia. Vladimir Putin não é nada sem o dinheiro que vem dos combustíveis fósseis. Pare um minuto, olhe para as coisas que têm ao seu redor e tente localizar algum objecto de origem russa. Talvez encontre uma pequena garrafa de vodca. Fora os combustíveis, não há outras coisas da Rússia para boicotar. Esta tem sido a arma usada para intimidar a Europa Ocidental, para condená-la à submissão por algumas décadas. Então, o abandono dos combustíveis seria extraordinariamente útil [neste conflito]. Temos feito pressão para uma espécie de conversão rápida – com a adopção da tecnologia de bombas de calor, enviando por exemplo tecnologia americana para ajudar o Reino Unido. Parece que a Alemanha e a França melhoraram suas metas de 100% de energia renovável como resultado da guerra na Ucrânia. Isto é bom, mas a transição precisa de acontecer com maior rapidez. O plano de uma infra-estrutura alternativa de gás natural liquefeito é um grande erro. Isso adia a mais que necessária transição. E não pode ser construída rápida o suficiente para ajudar a Ucrânia ainda em 2022.

Muitos cientistas cansaram-se da inacção perante a crise climática e estão, eles próprios, a abraçar a desobediência civil. É uma decisão útil para a causa?
Sim, quer dizer, por um lado é um pouco louco. Por que é que algum de nós tem de ir para a cadeia para conseguir a atenção dos nossos líderes políticos? Os alertas da ciência são claros, isto não é racional. Quando ajudei os primeiros cientistas que avançaram para a desobediência civil nos Estados Unidos, há uns 15 anos, senti-me culpado depois. [O climatologista] Jim Hansen, um grande cientista da NASA, veio para uma manifestação que organizámos em Washington. [Nesse dia, 27 de Setembro de 2010, Hansen foi detido em frente à Casa Branca.] É humilhante termos alguns dos cientistas mais brilhantes do mundo na cadeia em vez de estarem nos seus laboratórios, a produzir informação crucial para a humanidade. Mas, às vezes, este tipo de acto é necessário para alertar um mundo irracional para crises como a que estamos a enfrentar. Então, estou feliz por ver que mais cientistas estão a seguir por este caminho.

É frequente fazerem-lhe perguntas sobre a esperança, querem saber se está desesperado. Escreveu no seu livro Falter (2019) que o escritor não tem como missão dar esperança ao leitor, a sua única obrigação é honestidade. A esperança é uma emoção improdutiva na luta climática?
Não sei. Eu debruço-me há tanto tempo sobre o tema [das alterações climáticas] que deixei de pensar nestes termos. Se o fizesse, acabaria por me encontrar em ciclos de desespero a cada novo relatório científico. Agora tento apenas ser extremamente honesto comigo mesmo e com os outros sobre onde estamos, quais são nossas possibilidades e o que precisamos fazer para tornar estes caminhos reais. Não me levanto todas as manhãs a pensar se estou optimista ou pessimista. Levanto-me e tento pensar em como causar mais problemas para a indústria de combustíveis fósseis. Parece-me uma atitude mais produtiva e, psicologicamente, mais saudável também.

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Bill McKibben ficou decepcionado com o resultado da conferência do clima em Glasgow Yves Herman/Reuters

Falar de esperança pode ser uma forma de pensamento mágico? Por exemplo: recicla-se o copo plástico de café, cruza-se os dedos e torce-se para tudo dar certo no final.
Isso é definitivamente certo. A maneira como muitas vezes as pessoas pensam sobre a crise é questionar se há esperança e o que podem fazer para ajudar. Há coisas que podemos e devemos fazer que farão com que as coisas se tornem muito menos piores do que seriam de outra forma – mas que não vão parar o aquecimento do planeta. Então, ando sempre à procura de lugares onde as mudanças podem realmente ser grandes e fazer a diferença. Daí eu estar cada vez menos preocupado com a minha contribuição individual. Estou satisfeito por ter painéis solares em todo o telhado, e por saber que eles se conectam ao meu veículo eléctrico e à minha bomba de calor. Já passamos do ponto em que podemos fazer tudo isso resultar com um [carro eléctrico] Tesla de cada vez. Não podemos mais pensar individualmente, temos de descobrir como nos organizar em movimentos grandes o suficiente para serem importantes. É a aposta que parece ter maior probabilidade de sucesso. E é nisso que invisto o meu tempo.

Esteve envolvido na criação do movimento 350.org em 2008 e, mais recentemente, lançou uma nova organização chamada Third Act, que reúne pessoas com mais de 60 anos empenhadas na acção climática. Por que sentiu necessidade de criar uma nova iniciativa?
Passei muito tempo trabalhando com jovens. Lancei a organização 350.org com sete estudantes universitários. Foi a primeira campanha climática global. Eu estava então na casa dos 40 anos, mas toda a gente com quem eu trabalhava ou era adolescente ou estava na casa dos 20 anos. Trabalhei muito duro nesse movimento e investi na preparação de muitos jovens. Eles estão a desempenhar o seu papel. Podemos ver hoje grandes líderes como a sueca Greta Thunberg e a ugandesa Vanessa Nakate. Mas aos poucos comecei a reflectir sobre o facto de estarmos a colocar o maior problema da nossa espécie já enfrentou nas costas de pessoas de 17 anos. Fiquei preocupado porque parece-me tanto impraticável como injusto dizer a estes jovens que, entre fazer os trabalhos de casa e jogar futebol, também têm de salvar o planeta. Eles podem ser os grandes líderes deste movimento, mas também precisam que nós, e o resto da sociedade, os apoiemos.

Por que pessoas maduras estão melhor posicionadas para apoiar os jovens na acção climática?
As pessoas com mais de 60 anos votam em percentagens muito mais elevadas do que as mais jovens nos Estados Unidos. E, portanto, mudanças políticas dependem também do empenho deste grupo etário. Recorde-se que queremos enfrentar Wall Street. Nos Estados Unidos, cerca de 70% dos activos financeiros são detidos por pessoas com mais de 60 anos. Por isso, começamos a organizar-nos. E tem sido óptimo. É uma experiência interessante porque a minha geração de idosos tem uma história muito particular. Quando éramos jovens, nos anos 60 e 70, vivemos um período de grande transformação cultural, social, económica e política. E agora estamos a recapturar esse tipo de ADN geracional para fazer com que as pessoas voltem a se engajar numa tarefa tão importante para a humanidade.

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