Proteger 30% dos ecossistemas globais não basta

Deve proteger-se o habitat e evitar a sua destruição, mas nem sempre é suficiente para proteger as espécies que aí vivem; pode ser preciso uma gestão ativa destes refúgios para beneficiar certas espécies.

A 15ª reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15), realiza-se em Kunming, na China, em dois momentos complementares – a primeira sessão em outubro de 2021 e a conclusão prevista em 2022 – com a missão de convocar os esforços globais para restaurar e proteger a biodiversidade, adotando o quadro global da biodiversidade pós-2020 e definindo as novas metas de conservação até 2030.

O primeiro produto da COP15, a Declaração de Kunming, subscrita por mais de uma centena de países, surge no contexto da Década de Ação das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, da Década das Nações Unidas para o Restauro dos Ecossistemas e da Década das Nações Unidas para os Oceanos, entre outras iniciativas internacionais estratégicas. No seu preâmbulo, o documento reconhece a estreita relação entre as diversas crises planetárias: a perda de biodiversidade, as alterações climáticas, a degradação do solo e a desertificação, a poluição dos oceanos, os riscos para a saúde humana e a segurança alimentar, que, no conjunto, constituem ameaças à sobrevivência da sociedade, da cultura, da prosperidade e do planeta.

O texto da declaração invoca a necessidade de todos os setores da economia e de todos os segmentos da sociedade atuarem de forma convergente na construção de políticas coerentes em todos os níveis de governação. Impõe-se “a combinação de medidas que visem prevenir e reverter a perda de biodiversidade”, o que inclui mudanças no uso do solo e do mar, conservação e restauro de ecossistemas, medidas de mitigação climática, redução da poluição, controlo de espécies invasoras e prevenção da exploração abusiva de recursos, bem como ações para transformar os sistemas financeiros e garantir a produção e o consumo sustentáveis. Um dos aspetos centrais desta declaração, e por agora a sua única métrica, é a meta conhecida como “30x30”, ou seja, os países devem proteger 30% dos ecossistemas terrestres, de água doce e marinhos até 2030.

Ao mesmo tempo que os líderes mundiais se preparam para a COP15, a comunidade científica deixa mais um alerta num artigo publicado em 20 de Abril de 2022 na revista Nature, com o título “Protected areas have a mixed impact on waterbirds, but management helps: a conservação de habitats não garante a proteção das espécies. Deve proteger-se o habitat e evitar a sua destruição, mas nem sempre é suficiente para proteger as espécies que aí vivem; pode ser preciso uma gestão ativa destes refúgios para beneficiar certas espécies.

A mensagem central do artigo, e que não surpreenderá, é a de que nem todas as áreas protegidas são eficazes. Muitas não têm recursos suficientes e carecem de uma gestão eficaz, ficando a conservação aquém dos objetivos. “Sabemos que as áreas protegidas podem prevenir a perda de habitat, especialmente quando se trata de travar a desflorestação, no entanto, sabemos muito menos sobre o modo como as áreas protegidas beneficiam a vida selvagem”, afirma Hannah Wauchope, primeira autora do artigo.

Este trabalho de investigação envolveu aves aquáticas, que são encontradas em todo o mundo e podem deslocar-se rapidamente se o local não for adequado, sendo o seu número rastreado por um exército global de observadores de aves. Os autores compilaram a contagem de aves marinhas para mais de 27.000 populações, principalmente na América do Norte e na Europa, além de pequenos inventários na África Austral, América do Sul, Médio Oriente e Ásia. Monitorizaram depois estas populações de aves ao longo do tempo em 1500 áreas protegidas, e compararam com áreas semelhantes, mas não protegidas. Os resultados mostraram que a proteção do habitat por si só não garante que as aves aquáticas prosperem.

Nas conclusões do artigo, destacam-se os habitats especificamente geridos para beneficiar as aves aquáticas, incluindo as áreas ao abrigo de um acordo internacional sobre zonas húmidas, a Convenção de Ramsar, e as áreas designadas ao abrigo da Diretiva “Aves” da União Europeia. Para Hannah Wauchope, proteger a biodiversidade não pode ser apenas alcançar um número. “Em vez de nos concentrarmos exclusivamente na área global total protegida, precisamos de garantir que as áreas devem ser bem geridas para beneficiar a biodiversidade. Não podemos esperar que as áreas protegidas funcionem sem uma gestão adequada.”

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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