Presidente do Supremo diz que decisões judiciais não podem ser “quebra-cabeças” eruditos

Henrique Araújo falou esta quinta-feira no Porto na apresentação de uma conferência internacional organizada em parceria pelas associações europeia e portuguesade Juízes, onde também defendeu a publicação de todas as decisões judiciais em plataformas digitais de consulta livre como forma de aumentar a confiança dos cidadãos no sistema de justiça.

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Henrique Araújo falou esta quinta-feira no Porto LUSA/ANTÓNIO COTRIM

As decisões judiciais não podem ser uma amálgama de frases complexas, eruditismo, considerações sociológicas e filosóficas, que se tornam um quebra-cabeças para os visados e para a comunidade, defendeu esta quinta-feira o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo. O magistrado falava na abertura de uma conferência internacional intitulada “Integridade Judicial Fortalecimento da Transparência e Confiança na Justiça”, organizada pela Associação Europeia de Juízes em parceria com a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), que se realiza no Porto.

Henrique Araújo reflectia sobre o facto de, após anos consecutivos a subir, a confiança dos portugueses no sistema de justiça ter vindo a baixar, uma quebra que atribui em grande parte a “condutas de alguns magistrados nos últimos anos, e também ao impacto negativo na opinião publica da forma como decorrem alguns processos criminais mais complexos envolvendo figuras publicas”.

Sobre a integridade dos juízes, o presidente da ASJP, Manuel Ramos Soares, recordou, uma questão que lhe fizeram num encontro com colegas estrangeiros há cerca de 15 anos: quantos juízes portugueses estão na prisão? “A pergunta apanhou-me de surpresa e deixou-me perturbado. Na altura tinha aquela ideia defensiva e tradicional entre os juízes, que o judiciário é incorruptível e que a integridade é uma espécie de medicamento que se toma no início da carreira e nos torna imunes contra todas as falhas éticas para o resto da vida profissional”, confessa o dirigente.

Muitos anos depois, diz, a realidade encarregou-se de lhe dar uma lição de humildade. “Uma juíza foi condenada e expulsa da carreira por crime de peculato e outra por crime de branqueamento de capitais. Há pouco tempo dois juízes foram expulsos por actos de corrupção e estão acusados para serem julgados. E outro juiz encontra-se neste momento suspenso e foi também acusado de corrupção”, resume, numa alusão aos casos graves que se tem sucedido nos últimos anos.

O presidente do Supremo preferiu aprofundar outros motivos que têm afectado a confiança dos portugueses na Justiça. "Vivemos no século XXI, mas a forma como se escrevem muitas sentenças e acórdãos em Portugal não acompanha os tempos modernos: fraseologia complexa, eruditismo, considerações sociológicas, filosóficas e outras, tudo numa amálgama que torna aquilo que deveria ser facilmente apreensível num quebra-cabeças”, criticou o juiz conselheiro. “Sabemos também que as técnicas de copy paste os facilitam”, lançou, numa alusão a uma prática comum nos tribunais de copiar excertos de decisões semelhantes. ​E pede decisões “em que se empregue linguagem clara, não obstante a indispensável tecnicidade jurídica, e em que se simplifique o discurso argumentativo”.

"Poderá consumir-se mais tempo na escolha das palavras e no trabalho de síntese, mas só assim a decisão judicial se torna compreensível e assimilável pelo destinatário”, conclui.

Percepção da confiança no sistema

Henrique Araújo afirmou que a forma como a Justiça comunica com a sociedade é outro factor que pode influenciar a percepção da confiança no sistema, considerando que se têm feito “alguns avanços”, nomeadamente através da criação de gabinetes de imprensa. Mas, reconheceu: “Há ainda muito a melhorar”.

O presidente do Supremo voltou a insistir que os magistrados judiciais que, em determinado momento das suas vidas optem pela carreira política, não devem poder regressar à judicatura.

"O fim das portas giratórias trará mais transparência à Justiça. Contra ventos cada vez mais fortes e marés cada vez mais revoltas, empenhar-me-ei na luta por esse objectivo, o que implicará, pelo menos, a indispensável alteração do Estatuto dos Magistrados Judiciais”, fez questão de frisar.

O juiz conselheiro defendeu ainda a publicação de todas as decisões judiciais em plataformas digitais de consulta livre “na medida em que permite um escrutínio mais efectivo sobre o funcionamento dos tribunais”. E rematou: “Uma maior transparência favorecerá a compreensão da actividade dos juízes e dos tribunais, aumentando os níveis de confiança da comunidade no sistema de justiça”.

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