O que não disse Zelensky ao Parlamento português

Antes de Zelensky discursar no Parlamento, imaginámos o que poderia dizer. A surpresa vai direitinha para o facto de não ter feito a menor menção a qualquer proposta de paz.


O que disse de substantivo o Presidente Zelensky ao Parlamento português? Que a Rússia está a destruir a Ucrânia, a cometer um rol infindável de crimes, pediu mais sanções, armamento pesado e o mais rapidamente possível.

Há dias acrescentou, na hipótese de António Costa pretender visitar Kiev, o que pretendia antes da sua chegada – armamento pesado, ficando sem se saber se era condição sine qua non.

Antony Blinden e Lloyd Austin, responsáveis pelos Negócios Estrangeiros e pela Defesa, respetivamente, na Administração americana, foram, no dia 25 de abril, a Kiev garantir apoio à Ucrânia até ao enfraquecimento e derrota da Rússia. Nessa ocasião a Ucrânia atacou alvos dentro da Rússia.

Devia ser uma prática comum o Presidente de um país invadido pedir armas para combater o invasor. Aliás, essa prática impediria tais crimes.

Imaginemos o Presidente da Autoridade Palestiniana a pedir armas no Parlamento português devido ao facto de os territórios palestinianos estarem militarmente ocupados por Israel, violando resoluções do Conselho de Segurança da ONU; ou imaginemos, naquele tempo, Saddam Hussein, antes de ser enforcado por ordem dos EUA, aquando da invasão do Iraque contra o direito internacional, a usar da palavra e a dizer que George W. Bush, Tony Blair, Aznar e Portas mentiram e eram responsáveis por mais de cem mil mortos e a destruição do Iraque; ou imaginemos o representante do Iémen a condenar o inferno vivo em que os sauditas, com o apoio dos EUA, transformaram aquele país da península arábica.

Antes de Zelensky discursar no Parlamento imaginámos o que poderia dizer. A surpresa vai direitinha para o facto de não ter feito a menor menção a qualquer proposta de paz.

Bem sei que o país agredido procura armas para se defender; é um direito. Mas as armas devem ter em vista restabelecer a situação de paz e para abrir negociações para que as vozes das discussões substituam as das armas.

Quantas vezes os vietnamitas propuseram conversações de paz aos EUA, mesmo debaixo dos terríveis bombardeamentos de Hanói e Haiphong? E aos franceses, antes do desastre de Dien Bien Phu?

Segundo as palavras de Blinken a guerra é para continuar, porque os EUA querem enfraquecer a Rússia. É bom meditar nas palavras. A guerra vai continuar e os EUA vão combater a Rússia, dando armas e os ucranianos à morte. É verdade que foi a Rússia que criou esta situação, mas a guerra deve continuar em escalada? A quem serve?

Continuemos a imaginar os cenários – a Rússia encontra pela frente as maiores dificuldades decorrentes de os ucranianos, bem enquadrados pelos norte-americanos, resistirem. Nesta situação o que se está a passar em solo europeu é uma guerra entre o mandatário dos EUA e a Rússia.

É provável que a Rússia desista face a este desafio dos EUA? Se desistir, os EUA continuarão a sua marcha triunfal numa Europa subalterna que lhe prestará vassalagem e a guerra acabará.

Se a Rússia não desistir e se sentir enfraquecida, poderá estar em aberto a escalada do conflito para um patamar nuclear. A Ucrânia será seguramente, num primeiro momento, o centro do braseiro nuclear e por isso é estranho não ouvir de Zelensky um arremedo de proposta de paz, não porque se ponham ao mesmo nível agressor e agredido, mas pela simples razão de que nesta última hipótese (a da escalada nuclear) não fazer sentido a guerra.

O mundo está cheio de invasões e os EUA têm um longo historial e até de uso de bombas de destruição maciça, que o digam Hiroxima e Nagasáqui.

O melhor para todo o mundo, a começar na Ucrânia e na Europa, é negociar uma solução que seja aceite por todas as partes, mesmo tendo em conta os milhares de quilómetros que separam a Europa da América do Norte. A paz assim o exige e o direito internacional também. Louvada seja a iniciativa de António Guterres. Ele é o representante da instituição encarregada de fazer cumprir o direito internacional.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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