Regresso das cativações às reguladoras deve ser “um lapso”, alerta supervisora dos seguros

Alteração introduzida na proposta de Orçamento do Estado para 2022 cria dúvida sobre prevalência da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, alterada em 2020, com votos contra do PS.

Foto
Ministério das Finanças, liderado por Fernando Medina, tutela várias entidades de supervisão LUSA/MIGUEL A. LOPES

O que parecia garantido com a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2021, deixou de estar na proposta de OE para 2022. Ou seja, depois de ter sido “barrada” a possibilidade de cativações de receitas próprias das entidades reguladoras, como a Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF) e outras, ou de as libertar da necessidade de autorização prévia do Governo para a celebração de contratos ou realização de despesa, a proposta de OE para o corrente ano volta a introduzir essas limitações.

Este volte-face, que levanta inclusive dúvidas em relação à prevalência das leis – a Lei-Quadro das Entidades Reguladoras ou a Lei do Orçamento do Estado -, leva a ASF a admitir que se possa “estar perante um lapso ou uma omissão”.

Em resposta a questões do PÚBLICO, a ASF reafirmou esta quarta-feira os argumentos que apresentou em carta enviada ao presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, a alertar para o “retrocesso” e confusão legislativa que possa vir a ser criada, mas não esclareceu se contactou e obteve alguma informação do Ministério das Finanças.

Na resposta, a ASF defende que “para o integral e cabal exercício das suas relevantes funções de regulação e supervisão necessita de estar capacitada de forma a garantir a autonomia e independência da sua actuação enquanto garante da gestão sã e prudente dos operadores e da protecção dos tomadores de seguro, pessoas seguras, participantes e beneficiários e, bem assim, do bom e regular funcionamento do mercado segurador e do mercado dos fundos de pensões e da estabilidade do sistema financeiro”.

Em causa está o n.º 1 do artigo 427.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2021), que alterou o artigo 33.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, que passou a prever que “não podem ser impostas às entidades reguladoras cativações de verbas sobre os montantes das respectivas receitas próprias ou sujeição a autorização dos membros do Governo para celebração de contratos ou realização de despesa”, tendo sido conferida a esta alteração a “natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normais legais ou convencionais, especiais ou excepcionais, em contrário”.

Curiosamente, o Partido Socialista foi o único a votar contra a alteração do referido artigo 33.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, que contou com os votos favoráveis dos restantes partidos.

A ASF lembra que não beneficia de quaisquer receitas provenientes do Orçamento do Estado para fazer face às respectivas despesas, considerando que o regresso das cativações implica “restrições orçamentais que dificultam e comprometem gravemente a sua missão”.

A cativações aplicar-se-ão a outras entidades reguladores, nomeadamente a dos serviços energéticos (ERSE) e das comunicações (ANACOM), ou a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) , entre outras.

O Banco de Portugal (BdP) escapa a esta medida porque “não integra o sector público administrativo nem faz parte do perímetro orçamental, pelo que não lhe é aplicável o artigo 2.º da Lei do Enquadramento Orçamental (LEO)”, esclareceu a entidade, em resposta ao PÚBLICO, acrescentando ainda que “as regras do artigo 64.º da Lei n.º 2/2020 não são aplicáveis ao Banco de Portugal, por força do seu específico perfil institucional”, e, “consequentemente, não lhe serão aplicáveis igualmente, regras da próxima LEO construídas com base nesse regime”.

O PÚBLICO contactou o Ministério das Finanças sobre esta matéria, aguardando um resposta.

Notícia actualizada às 15h30, com esclarecimento do Banco de Portugal

Sugerir correcção
Comentar