Açores: a geografia é um entrave ou um activo económico?

Os desafios do atlântico, o potencial do mar e os constrangimentos da insularidade estiveram em discussão no Encontro Fora da Caixa, que decorreu na ilha do Pico, nos Açores.

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“O futuro dá novas oportunidades ao posicionamento geoestratégico dos Açores”, diz o presidente do Governo regional Anna Costa

A perspectiva sobre a localização dos Açores assentou desde sempre numa dicotomia dúbia: se por um lado a ultraperiferia remete as ilhas ao esquecimento, como que perdidas na vastidão do oceano; por outro, a posição central no atlântico norte, de ligação entre continentes, já fez da geografia um dos maiores activos do arquipélago.

Foi esta geografia e o respectivo potencial económico que estiveram em discussão no Encontro Fora da Caixa, uma iniciativa da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que decorreu na ilha do Pico, sob o mote “Açores, os Desafios do Atlântico”.

Entre empresários, agentes culturais, estudantes, autarcas de todas as paragens do arquipélago e outros curiosos, o auditório da Madalena, com capacidade para 400 pessoas, encheu-se para discutir os desafios da insularidade.

Mas, ainda antes do debate sobre as potencialidades da região, coube ao presidente da comissão executiva da CGD, Paulo Macedo, fazer a contextualização económica. “Neste momento, aquilo que se fala mais é sobre inflação”, começou por dizer, reforçando que, face à guerra na Ucrânia e à crise energética, a resolução do problema não deve estar para breve. “Quando esperamos que haja de novo a paz [na Ucrânia], os custos energéticos voltarão ao que eram? Basicamente não nos parece absolutamente nada que isso aconteça”.

Com tal cenário, prever um crescimento de Portugal entre os 4% e os 5% este ano pode ser demasiado optimista, prosseguiu o presidente da CGD, reforçando que um crescimento na ordem dos 3% já seria “bastante positivo”.

Ainda face à guerra na Ucrânia, Paulo Macedo realçou o “ponto de interrogação” que existe sobre os “activos chineses”, isto porque não se sabe se vão sofrer o mesmo que aconteceu à economia russa, afectada por um “conjunto de sanções” e “operações vedadas”.

“E se amanhã há uma mesma reacção relativamente à China?”, interrogou o líder da CGD, acrescentando que, se tal acontecer, vai “mudar tudo” nas “cadeias de abastecimento” e aí o impacto poderá ser maior para as empresas nacionais.

Feito o contexto — até porque do ponto vista dos mercados os Açores não são uma ilha – partiu-se para a reflexão sobre a insularidade. O director do PÚBLICO, Manuel Carvalho, moderador do evento, começou por perguntar ao presidente do Governo dos Açores se, para os açorianos, a periferia do arquipélago tem mais peso do que as virtudes da posição geoestratégica.

“Os Açores, de facto, vivem e têm uma história de paradoxos”, respondeu José Manuel Bolieiro, advogando que em determinados períodos a região afirmou-se como estando “no centro do mundo”, mas lembrando a história do arquipélago, marcada por “constrangimentos” quanto ao “distanciamento, pequenez e pouca possibilidade de massa crítica na economia”.

Assumindo uma postura “optimista”, Bolieiro deixou clara a ambição de valorizar a própria geografia da região como um meio para “combater a ultraperiferia”, apontado às áreas da oceanografia, da vulcanologia e do espaço que a região tem procurado apostar nos últimos anos. “O futuro dá novas oportunidades ao posicionamento geoestratégico dos Açores”.

Mas a localização de um arquipélago composto por ilhas que nasceram da força dos vulcões acarreta outros desafios. “Estamos sujeitos a sismos e vulcões porque estamos numa área geodinâmica activa”, recordou o reitor da Universidade dos Açores, João Luís Gaspar, vulcanólogo, num painel dedicado à realidade sísmica e vulcânica da região.

Rui Marques, presidente do Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA), que está desde a primeira hora a liderar a monitorização da crise sismovulcânica em São Jorge, insistiu que os 26 sistemas vulcânicos activos na região exigem um acompanhamento “24 horas sob 24 horas”.

“Não é intuição, tem a ver com o acumular de informação ao longo dos anos que permite entender quando um sistema vulcânico activo sai fora dos parâmetros normais”, afirmou, reforçando que São Jorge “tipicamente não tem sismicidade” para realçar o quão excepcional é o que se está a passar naquela ilha açoriana.

Seguiu-se uma conversa com empresários locais das áreas do turismo, vinhos e gestão, onde foram expressas preocupações quanto à falta de mão de obra ou quanto à acentuada sazonalidade turística; e apontados caminhos para o futuro, que deve passar pela aposta na qualidade em todos os sectores de actividade, mesmo que tal implique um aumento dos preços.

O encerramento da sessão ficou marcado por um diálogo entre Pedro Abrunhosa e Tiago Pitta e Cunha, administrador da fundação Oceano Azul. À pergunta do músico sobre se a geografia pesa no “espírito português”, o Prémio Pessoa 2021 considerou que Portugal “perdeu a visão enquanto Estado atlântico” e insistiu que o século XXI é o “século da sustentabilidade ambiental”. “Falta ainda cumprir a geografia”. E, neste domínio, os trilhos do passado podem desbravar o futuro, segundo Pitta e Cunha: “é aqui que temos de nos reinventar: é redescobrir o mar”.

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