Mulheres rangers lutam contra os caçadores furtivos no Zimbabwe

Objectivo da unidade de Akashinga é salvar a vida selvagem e garantir bons rendimentos às mulheres com empregos de guardas-florestais. As rangers ganham o equivalente a cerca de 300 a 1500 dólares por mês, um bom salário num país onde os professores ganham em média 120 dólares por mês.

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Mulheres da unidade Akashinga, no Zimbabwe IAPF

Sharai Tunhira franze a testa enquanto executa os exercícios com a sua equipa de patrulha só de mulheres – todas armadas e prontas para enfrentar os muitos homens que apanham a caçar animais selvagens nesta região num canto do Norte do Zimbabwe. Apesar dos riscos do trabalho, esta mulher diz que juntar-se à unidade de estilo militar lhe deu a oportunidade de proteger a vida selvagem que ela ama, ao mesmo tempo que ganha uma vida decente numa zona rural onde muitas mulheres pobres lutam para conseguir pagar as contas.

“Aqui estou ocupada e sinto que tenho algum poder. Não dependo de um homem para sobreviver”, diz Tunhira, 25 anos, que se juntou à equipa em 2021, após anos a ganhar a vida como mulher de limpeza e vendedora de frutas e vegetais.

A unidade Akashinga – também conhecida como “The Brave Ones" (As corajosas) na língua xona - diz que pretende mudar a face da conservação com esta primeira unidade anticaçadores, armada e só de mulheres deste país. A unidade é uma raridade num sector dominado por homens.

Apenas um em cada cinco guardas-florestais africanos é do sexo feminino, de acordo com uma pesquisa do Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF) de 2016. O continente tem um punhado de equipas femininas, incluindo as Mambas Negras da África do Sul ou as unidades de guardas-florestais no Quénia, por exemplo.

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Akashinga: The Brave Ones: Prémio Fotografia de de Ambiente (primeiro lugar) do World Press Photo 2019 BRENT STIRTON/GETTY IMAGES

Criada em 2017 por Damien Mander, um ex-comando australiano, a Akashinga cresceu desde então para um total de 200 guardas-florestais com armamento pesado que patrulham oito reservas no vale do Baixo Zambeze, ao abrigo de contratos com três conselhos distritais.

Vida selvagem

No Zimbabwe vivem cerca de 80.000 elefantes, cerca de um quinto do total da África, estimam os conservacionistas. Os números diminuíram drasticamente nos últimos anos, principalmente devido à caça furtiva, caça ilegal e seca. O vale do Zambeze, que atravessa a fronteira com a Zâmbia, alberga milhares de elefantes, bem como leões e chitas.

As unidades de estilo militar, como Akashinga, são controversas. Alguns conservacionistas defendem que, de uma forma geral, os guardas-florestais armados que usam tácticas de combate têm prejudicado e intimidado os residentes locais em áreas de vida selvagem e que, ao mesmo tempo, não conseguem combater as causas profundas da caça furtiva.

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Treino da unidade Akashinga IAPF

A Akashinga faz parte da International Anti-Poaching Foundation (IAPF), uma organização sem fins lucrativos fundada em 2009 por Damien Mander. A IAPF diz que a unidade se concentra na protecção da vida selvagem através do envolvimento da comunidade, desde a melhoria do saneamento até à criação de empregos.

Damiem Mander admite que a IAPF se concentrou inicialmente na defesa da área que protegia, mas que estas críticas estão ultrapassadas com uma mudança no reconhecimento da conservação como uma questão social que envolve a educação e a capacitação da comunidade.

“Costumávamos ser uma organização extremamente centrada na aplicação da lei... Tínhamos helicópteros, drones e material militar”, disse ele. “Não temos isso agora. Isto é menos hostil.”

Mander defende a manutenção do uso de espingardas pela unidade de Akashinga, uma vez que existe uma ameaça real de caçadores furtivos armados com armas automáticas e, por isso, as mulheres devem estar preparadas para o pior.

“Para nós, não treinar os guardas-florestais, sejam homens ou mulheres, para lidar com a ameaça que irão enfrentar, será irresponsável. Estaremos a colocar estas pessoas em perigo”, disse. Ter mulheres como guardas-florestais “geralmente diminui a tensão”, diz ainda Mander, enquanto as equipas que trabalham nas suas comunidades de origem ajudam a fomentar relações produtivas com os residentes.

A IAPF refere que desde 2017, as guardas-florestais de Akashinga fizeram mais de 300 detenções sem disparar um tiro e ajudaram a conduzir uma queda de 80% na caça furtiva de elefantes no Vale do Zambeze, enquanto os avistamentos de animais selvagens aumentaram quase 400%.

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Robbie Labanowski/Save the Elephants

Estes números da IAPF não estão oficialmente confirmados, mas Ability Gandawa, legislador do Hurungwe North, que inclui o Parque de Vida Selvagem de Phundundu, confirma que os avistamentos de animais tinham aumentado. “Estou impressionado com o seu esforço sólido em educar a comunidade para não caçar animais selvagens”, diz. “Este esforço tornou possível reduzir significativamente a caça furtiva na minha área.”

Benefícios económicos

O que não está em dúvida é o benefício para as mulheres guardas-florestais, que incluem sobreviventes de abusos domésticos, crianças noivas e raparigas que abandonaram a escola.

As rangers ganham o equivalente a cerca de 300 a 1500 dólares por mês, um bom salário num país onde os professores ganham em média 120 dólares por mês. “Não fazia ideia de que teria um trabalho com um contrato, como este, como é a maioria dos empregos destinados a pessoas instruídas”, disse Tunhira, carregando uma espingarda, descrevendo como a sua família não tinha dinheiro para permitir que terminasse a escola.

Margaret Darawanda, de 24 anos, outra guarda-florestal e mãe solteira de uma filha de três anos, recordou a vida pré-patrulha quando dependia da sua mãe, ela própria uma pobre agricultora.”A oportunidade de me tornar guarda-florestal surgiu quando mais precisava dela”, afirma. “Agora sou capaz de cuidar da minha mãe, do meu filho e da minha comunidade”, refere de olhos postos num futuro que pode passar pela universidade.

Mander disse que 95% dos guardas-florestais de Akashinga vêm de um raio de 20 quilómetros da área que protegem, com os seus salários gastos localmente em benefício de uma área mais vasta. “Queremos ser um farol de progressão na indústria da conservação”, disse à Fundação Thomson Reuters.”A ideia é que Akashinga seja um trampolim para os objectivos das mulheres e que sirva para permitir que sigam um caminho de carreira.”

Abuso doméstico

A IAPF tem como objectivo fazer crescer Akashinga até 1000 guardas-florestais protegendo 20 reservas naturais até 2026. Algumas das mulheres dizem que a unidade lhes deu um abrigo seguro após terem fugido de abusos, e também um sentido de solidariedade ao apoiarem-se umas às outras.

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IAPF

Esther Goboza, de 22 anos, pediu para se juntar a esta unidade de guardas-florestais para escapar a um casamento abusivo. O seu marido, numa tentativa de a impedir de se tornar guarda-florestal, queimou o seu bilhete de identidade nacional, um requisito para a candidatura ao emprego.

“Eles deram-me a oportunidade. O meu marido veio até ao campo de treino para me levar para casa, mas eu mantive a minha posição”, disse Goboza, que agora está divorciada.

Tracy Mukuni, de 32 anos, deixou o seu emprego de polícia para se juntar à unidade como formadora, porque queria apoiar outras mulheres trabalhadoras. “Era a minha paixão ajudar as minhas companheiras a alcançar os seus objectivos”, disse Mukuni, uma instrutora sargento que treina guardas-florestais em aptidão física, capacidades de sobrevivência e ética.

“Lá fora, elas vêm-se confrontadas com caçadores furtivos armados que são fortes... Estas mulheres precisam de ser corajosas e preparadas para proteger a vida selvagem. Elas também precisam de cuidar umas das outras.”