Rui Vitorino, confinado em Xangai: “É difícil ver a luz ao fundo do túnel”

Há três semanas em confinamento, que começa a ser levantado, Xangai enfrenta um novo surto de covid-19, com mais de 300 mil casos desde o final de Março. O P3 conversou com Rui Vitorino, português a viver na cidade há sete anos, para perceber os impactos do confinamento na população: é difícil “ver fim” a esta situação.

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Reuters/ALY SONG

Isolado há três semanas, Rui Vitorino, professor de Educação Física a viver em Xangai há sete anos, encontra-se numa situação de “quebra da liberdade significativa”, tal como a grande maioria dos moradores da cidade. Os 26 milhões de habitantes viram-se obrigados a um confinamento total, a 5 de Abril, após o surgimento de um novo surto de covid-19 em Xangai, que conta já com mais de 300 mil casos positivos desde o final de Março. A 18 de Abril, registaram-se as primeiras mortes.

Devido à política de “covid zero” adoptada pela China, Xangai optou por restrições mais rígidas, desde a separação de pais e filhos e o encerramento de supermercados e de farmácias até ao realojamento dos casos positivos — tanto sintomáticos como assintomáticos — em centros de quarentena. Contudo, a 20 de Abril, algumas restrições foram levantadas: cerca de 12 milhões de pessoas podem sair de casa e regressar aos seus locais de trabalho e mais de 600 empresas retomaram a produção. Em Portugal, por outro lado, depois de mais de dois anos de pandemia, o uso de máscara deixou de ser obrigatório nas escolas, nos restaurantes, no comércio e durante os espectáculos.

Em teletrabalho, a “seguir os seus alunos diariamente”, Rui Vitorino, de 34 anos e natural de Torres Vedras, tem-se mantido “ocupado” com o trabalho e “outros projectos”. Porém, o professor de Educação Física afirma ao P3 que ainda há uma “incerteza” na população a nível de negócios, visto que “estão parados, na maior parte”.

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Rui Vitorino, de 34 anos, está em Xangai há sete anos. Rui Vitorino/DR

Apesar de algumas pessoas estarem a passar por “situações complicadas”, como a falta de alimentos, o português admite ao P3 que ainda “tem comida”, tal como a “maioria das pessoas em Xangai”, que “tem mantimentos” e está “em segurança”. Tal deve-se ao facto de “alguns sectores” continuarem “a trabalhar”, sendo possível encomendar comida, processo que “não é tão rápido como seria [normalmente]” e cujos preços são “muito mais elevados”, e de as “próprias comunidades” fazerem “chegar vegetais, ovos, leite” às casas e condomínios.

Todavia, os habitantes têm “medo de poder acusar positivo [nos testes de covid-19] e ir para aquelas instalações que não são propriamente os melhores sítios para se tratar uma doença”, afirma o professor. Estas “instalações” são os chamados centros de quarentena, onde os infectados passam por uma “experiência quase aterradora”, diz Rui. “Não podem descansar como deve ser, porque há sempre algum barulho, há sempre luzes durante a noite” e têm “condições muito limitadas para se conseguirem higienizar”. Quando testou positivo à covid-19, o professor confessa ter sentido “alguma tensão e algum medo ao início”. Não da doença, mas do “sítio para onde lhe poderiam levar”. “Felizmente, consegui ficar em casa.”

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LUSA/ALEX PLAVEVSKI

Segundo Rui Vitorino, para as pessoas isoladas nos centros de quarentena, já curadas, que têm “luz verde para voltar a casa”, muitas vezes, “não é fácil conseguir entrar no [seu] condomínio novamente”, uma vez que os vizinhos acreditam que podem “trazer o vírus de volta” ao prédio.

Na óptica de Rui, a política de “covid zero” faz com que seja “difícil ver a luz ao fundo do túnel”. “Se soubéssemos que vamos ficar por mais dez dias, mas depois vamos gradualmente voltar ao normal? OK, havia, pelo menos, uma meta. Neste caso não há porque a política é zero casos e [estes] continuam a crescer (…). Se isto continuar assim, então, vai ser impossível realmente voltarmos à vida normal.”

Um “pesadelo” para a saúde mental

Para Rui Vitorino, a “saúde mental das pessoas”, que tem sido afectada “de forma tremenda” devido ao confinamento, deve ser “assegurada”. Segundo o professor, esta situação é “um pesadelo” para as crianças e os jovens, tendo um “impacto super negativo naquilo que é o seu crescimento e desenvolvimento”, pois são quebradas “todas as relações que poderiam ter entre eles”. Para além disso, alguns ficam até “isolados dentro de famílias com os seus próprios problemas”, estando “obrigados a estar naquele problema 24 horas por dia”, o que pode ser “traumático”.

Já para os adultos, há uma maior “ansiedade” pelo facto de sentirem que o confinamento “nunca mais vai acabar”. Para Rui, as pessoas “não estão a lidar bem com o medo” nem a conseguir “manter o equilíbrio” e levar uma “vida normal”. Isto porque, quando se acha que “não pode vir mais nenhuma notícia negativa, ela surge”. Esta doença “tem de ser tratada, mas não pode parar o mundo inteiro”. “Se as pessoas não morrem da doença, morrem da cura.”

Texto editado por Ana Maria Henriques

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