Pela valorização da Geografia

Carta conjunta em defesa da valorização do ensino de Geografia no básico e no secundário e por um novo modelo de recrutamento de professores à disciplina.

Quando nos interrogamos sobre o que têm em comum os incêndios florestais que ocorreram na região Centro, o lanço de estrada que abateu em Vila Viçosa, a tempestade Lorenzo que assolou os Açores, a gentrificação turística que invade Lisboa, a agricultura intensiva do Alentejo que agrava o défice hídrico da região e evidencia os problemas de integração da população migrante; quando pensamos nestas e em tantas outras questões, a resposta está na Geografia.

A crescente pressão exercida sobre o território e consequente degradação do bem-estar e da qualidade de vida das suas populações obrigam a que, em resposta aos desafios deste mundo VICA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo), se valorize a Geografia enquanto ciência que estuda as inter-relações existentes no trinómio Território-Natureza-Sociedade.

Com efeito, nas suas dimensões conceptual e instrumental, a Geografia é a única ciência capaz de promover um estudo multiescalar e multifatorial, alicerçado numa cultura de território, subjacente a uma cidadania territorial democrática com sentido prospetivo. Um povo que não conhece o seu território nunca o irá estimar e jamais irá compreender a importância da sua gestão e ordenamento.

Porém, as condições pouco aliciantes do exercício de funções ligadas à docência têm levado à diminuição do número de professores no ativo e, concomitantemente, ao aumento do número de horários sem afetação de docente na maioria dos grupos disciplinares.

Apesar da implementação do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, conferir às escolas a autonomia e flexibilidade curricular necessárias à consecução de projetos educativos adequados às comunidades escolares, a ausência de um referencial de carga horária mínima por ciclo, atribuída às diferentes disciplinas das Ciências Sociais e Humanas, leva à existência de matrizes curriculares do 3.º ciclo muito diversas a nível nacional (com cargas horárias que vão desde um tempo semanal a três tempos, por exemplo, no 7.º ano), o que compromete o desenvolvimento das Aprendizagens Essenciais e coloca os alunos em situação de desigualdade perante a avaliação externa de cariz normativo.

É de salientar, ainda, que a distribuição do serviço docente, sem respeito pelos princípios da igualdade e paridade entre disciplinas pertencentes à mesma componente do currículo, gera conflitos entre docentes pela sobrevalorização de umas disciplinas em detrimento de outras, a que acresce o facto de, por via dessa desigualdade, se aumentar o número de turmas e de alunos por docente, comprometendo a disponibilidade de horário para planificação e concretização das atividades sem tempo útil para o tão necessário trabalho colaborativo.

Cumulativamente, a média de idades dos professores de Geografia (51 anos) atesta a tendência de envelhecimento deste grupo disciplinar, com implicações na fraca capacidade de resposta das escolas para a supressão das necessidades temporárias do grupo de recrutamento e, consequentemente, no perfil dos docentes que estão a ser admitidos para preencher as vagas, à luz da Nota Informativa da DGAE, de 14 de janeiro de 2020. Explicitando o significado de “docentes titulares de adequada formação científica” contemplado no ponto 3.3. da referida Nota, urge uma definição clara e objetiva dos critérios de recrutamento dos docentes.

Assim, exige-se que, para suprimir as necessidades temporárias do grupo de recrutamento 420, além dos candidatos com habilitação profissional e própria em Geografia, sejam considerados, igualmente, candidatos com formação em Geografia e/ou áreas complementares de planeamento e ordenamento do território ligadas a escolas de e com formação em Geografia, de acordo com a seguinte habilitação académica:

I. Licenciados em Geografia e/ou áreas complementares de planeamento e ordenamento do território ligadas a escolas de e com formação em Geografia (pré e pós-Bolonha), com 120 ECTS em Geografia (nos quais se inclua, obrigatoriamente, Geografia de Portugal – Física e Humana), para lecionar as disciplinas de Geografia e Cidadania e Desenvolvimento, quer do 3.º ciclo, quer do ensino secundário;
II. Estudantes da Licenciatura em Geografia e/ou áreas complementares de planeamento e ordenamento do território ligadas a escolas de e com formação em Geografia (pós Bolonha), com 80% dos 120 ECTS em Geografia, para lecionar as disciplinas de Geografia e Cidadania e Desenvolvimento, do 3.º ciclo.

No sentido de satisfazer as necessidades temporárias de professores do grupo 420, importa, igualmente, priorizar os critérios de forma que o processo de recrutamento seja justo e transparente para os candidatos, propondo-se como ordem de seleção:

  1. Candidatos com habilitação profissional em ensino de Geografia;
  2. Candidatos com habilitação profissional em ensino de Geografia, com contrato a termo certo, em exercício de funções no agrupamento em que se regista a carência;
  3. Candidatos com habilitação académica de acordo com os pontos I. e II. acima referidos.

É de referir, ainda, que, tendo por base a especificidade das duas áreas do saber implícitas no currículo da disciplina de História e Geografia de Portugal do 2.º ciclo, a integração das licenciaturas em Geografia (pré e pós-Bolonha) na lista de cursos que conferem habilitação própria para a docência desta disciplina e a consequente implementação do par pedagógico formado entre os respetivos docentes, permite minimizar a formação deficitária do conhecimento geográfico de Portugal no que respeita ao seu território, aos seus recursos naturais e humanos e às suas inter-relações. A este propósito, refira-se, em particular, que, à exceção dos alunos que frequentam Geografia A no ensino secundário, a abordagem à escala nacional é desvalorizada em detrimento de outras escalas ao longo do ensino básico.

Noutro âmbito, a formação inicial de professores deve ser alvo de reestruturação, permitindo aos docentes a frequência de um estágio profissional remunerado de, pelo menos, um ano letivo que:

  • assegure uma experiência mais efetiva e completa com turmas a seu cargo;
  • reforce a preparação dos docentes para a realidade atual das escolas e dos alunos, capacitando-os para a necessária abordagem digital, em crescendo na sociedade, e para lidar com os múltiplos problemas de ordem social emergentes em escolas cada vez mais multiculturais;
  • aprofunde a abordagem didática que exponencie a apropriação das ferramentas necessárias à transposição didática dos conteúdos, assim como a capacidade dos docentes em incentivar os jovens a mobilizar as competências desenvolvidas, enquanto cidadãos participativos e proativos em prol do bem comum, de acordo com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.

A Geografia, ciência de valor universal e intemporal, na formação das gerações do futuro, é insubstituível na promoção da cidadania territorial para a intervenção, nomeadamente, na conservação e transformação dos territórios a diferentes escalas, pelo que, é indiscutível o seu valor no currículo nacional, enquanto disciplina autónoma, pelos seus objeto de estudo e método próprios, que relevam a sua singularidade no contexto das demais disciplinas.

Subscrevem:

Associação de Professores de Geografia
Associação Insular de Geografia
Associação Portuguesa de Geógrafos
Departamento de Geografia de Planeamento Regional da NOVA FCSH
Departamento de Geografia e Turismo da FLUC
Departamento de Geografia da FLUP
Departamento de Geografia do ICS da UM
Instituto de Geografia e Ordenamento do Território
Departamento de Geociências da ECT da UE

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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