O perfil ideal de um formador de professores

Tal como o perfil de um bom professor não se pode medir por um único ângulo, o perfil de um formador de professores também não se pode medir apenas por ter tido ou não experiência profissional nos ensinos básico e/ou secundário

Assumo duas coisas à partida: a minha relutância crónica com estudos estatísticos e o facto de quer eu próprio quer os professores que temos na minha FCSH [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa], na formação inicial de professores, pertencermos aos 2/3 de formadores com experiência de ensino no básico e secundário.

Dito isto, aceito que a conclusão mais destacada do estudo Perfil académico e profissional de professores do ensino superior que asseguram a Formação Inicial de Professores, do Edulog, think tank da Fundação Belmiro de Azevedo - “um terço não tem formação no ramo educacional e os perfis académicos estão desajustados às componentes de formação” – é relevante, porque se trata de uma experiência prévia que enriquece quem forma professores, porque conhece, a priori, o contexto para se forma.

Aceito que urge “o reconhecimento institucional da Formação Inicial de Professores, criando condições de desenvolvimento profissional que lhes permitam aprofundar os conhecimentos sobre as práticas do ensino supervisionado, ao mesmo tempo que se criam condições de envolvimento dos estudantes, em estágio, em actividades de investigação sobre a prática docente”.

Aceito que as instituições de ensino superior devem abrir mais concursos para quem está ligado aos mestrados em ensino quase em exclusividade (o que uma vez mais não se aplica a todas as instituições e certamente não se aplica à minha).

Aceito que haja necessidade de a maioria dos docentes formadores se ligarem a unidades de I&D, mas já tenho muitas dúvidas que tal ligação esteja em falta na maior parte dos casos, porque, se tal acontecesse, os respectivos mestrados nem sequer seriam acreditados, como alguns não são precisamente por não cumprirem esse requisito. Poder-se-á argumentar que a produção científica é baixa e os projectos são poucos, mas também é preciso dizer que a área das didácticas específicas é uma área subvalorizada ou mesmo esquecida pelas agências de financiamento, a começar pela FCT, que simplesmente a exclui de todos os cenários, empurrando-a para a grande área das ciências da educação, como se existisse aqui alguma filiação directa (já perdi a conta à luta que tenho feito em todos os quadrantes para corrigir isto e sem êxito nenhum, pois nem a A3ES corrige o mapa de área de científicas nem a FCT o faz de igual forma). Por isso, aqueles que se dedicam à produção científica na área das didácticas específicas fazem-no em desigualdade de oportunidades e o que fazem devia ser sobrevalorizado, e não o seu contrário.

Por fim, para não me alongar, vale a pena reflectir sobre o perfil de um bom formador de professores. Tal como o perfil de um bom professor não se pode medir por um único ângulo, o perfil de um formador de professores também não se pode medir apenas por ter tido ou não experiência profissional nos ensinos básico e/ou secundário. É perigoso assumir que tal experiência prévia é um indicador de que temos logo aí um potencial bom formador, o que é indemonstrável; também é falível o contrário: um formador de professores sem essa experiência prévia não indicia, obrigatoriamente, um indivíduo incompetente nessa função. Qualquer dos ângulos padece de demonstração lógica e não há estatística que prove quer um quer outro argumento.

Pela minha experiência, quer como formador de professores quer como coordenador de formadores de professores quer como responsável científico pela contratação de formadores de professores, é um conjunto integrado de vários indicadores que conduzem a um perfil ideal:

  • Doutoramento na área de ensino disciplinar;
  • Experiência prévia de exercício profissional na área de ensino no básico e/ou secundário;
  • Experiência de ensino numa área científica específica;
  • Tipo e qualidade da filiação a uma unidade de I&D;
  • Produção científica na área de ensino disciplinar, incluindo projectos de I&D;
  • Elevados padrões de conduta ética demonstráveis no CV.

Estes indicadores essenciais são uma soma e devem funcionar como uma apreciação combinada de competências. Isolar um destes indicadores num estudo para concluir a deficiência do sistema de formação inicial será sempre um erro. O estudo em causa não comete este erro, mas todas as leituras públicas que a partir dele se estão a fazer vão, lamentavelmente, nesse sentido.

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