Outra vez a Alemanha, outra vez a austeridade

Ao fornecer liquidez à economia russa, a Alemanha vê prolongada a guerra e a destruição na Ucrânia, atitude essa que se assemelha à hipocrisia levada a cabo junto dos países do Sul da Europa, aquando da crise da Zona Euro.

Outra vez a Alemanha, outra vez austeridade. Recentemente, o prémio Nobel da Economia Paul Krugman escreveu na sua crónica regular do jornal The New York Times sobre a atitude da Alemanha em recusar-se a travar as importações de gás natural russo. Ao fornecer liquidez à economia russa, a Alemanha vê prolongada a guerra e a destruição na Ucrânia, atitude essa que se assemelha à hipocrisia levada a cabo junto dos países do Sul da Europa, aquando da crise da Zona Euro.

O debate sobre as causas da crise do euro é intenso, sem que haja, ainda hoje, consenso na literatura sobre os mecanismos que levaram a que os países do Sul fossem obrigados a levar a cabo medidas de austeridade. Estas medidas foram impostas sob a vontade da Alemanha, que apontou ao excesso de despesismo dos Estados a causa para a crise. Mas outros autores atribuíram outras explicações, que vão da fraca competitividade externa à facilidade de acesso ao crédito nos periféricos – potenciada por um ambiente de taxas de juro baixas – ou ao deficiente desenho institucional do euro. Mas parece quase consensual que os países mais afetados durante a crise do euro foram os que padeciam, até então, de consecutivos défices externos, e que a subida dos juros da dívida soberana se relacionou mais com os sentimentos dos mercados financeiros que propriamente com os indicadores macroeconómicos.

Como tal, Grécia e Portugal, sobretudo, foram submetidos, durante e após a crise do euro, a medidas deflacionárias com consequências ao nível da riqueza criada, do emprego e da capacidade de atuação do Estado social. A recusa da Alemanha em refletir estrategicamente sobre fontes alternativas de abastecimento de energia antes desta guerra, e que a levam agora a recusar um embargo das importações de gás natural russo, tem várias leituras sob o ponto de vista da economia portuguesa. Esta guerra na Europa afeta a economia portuguesa como nunca afetaram as últimas. Em primeiro lugar, porque a nossa economia está hoje muito mais integrada nos processos de criação de valor global do que há poucas décadas atrás, pelo que um choque em qualquer parte do mundo tem efeitos no fornecimento de matérias-primas ou bens de consumo intermédio, encarecendo-os. A segunda tem que ver com a integração de Portugal na Zona Euro.

As decisões tomadas pela Alemanha, ou outro país da moeda única, afetam a economia portuguesa como não acontecia antes de 2000. A dependência energética europeia face à Rússia e a proximidade geográfica face ao conflito, estarão certamente entre as causas para a depreciação do euro face a outras divisas internacionais, o que contribui também para o encarecimento de bens importados de fora da zona euro, que não podem ser substituídos internamente, pelo menos no curto prazo.

O clima de inflação e carestia já se tinha instalado nas economias europeias antes da guerra. Mas a escalada de preços que se tem verificado nos últimos dias nas economias mais dependentes do comércio internacional, é exacerbada pelas consequências económicas da guerra, e tem atuado como um imposto para os consumidores nacionais, novamente afetados pela hipocrisia que Krugman atribui à Alemanha.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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