Dilemas de um jovem estudante e trabalhador

Os jovens precisam de dinheiro, não de medidas de crescimento económico muito bem articuladas no Terreiro do Paço. Os jovens precisam de ser valorizados, não como um rebuçado, mas como um reconhecimento monetário das suas conquistas.

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Aproxima-se o tão esperado fim de uma etapa marcante, o fim do mestrado integrado… Perdão, do mestrado Bolonha, já que o Governo desenvolveu esta fantástica invenção que veio modificar os ciclos de estudos. Esta fantástica invenção é nada mais que uma carte blanche para as universidades lucrarem às custas dos seus estudantes, já que deixando de estar em mestrado integrado deixam de estar abrangidos pelos miraculosos cortes de propinas que vêm sido implementados nos últimos anos. Atenção que não sou a favor da propina zero. É apenas uma questão de princípio. Ora, se o XXI e o XXII governos constitucionais tanto se orgulharam destes cortes, este aumento no mesmo período para alunos abrangidos pelos mesmos cortes corresponde, no mínimo, a deslealdade para com estes estudantes (no meu caso, também menos um voto para o PS).

Divagações à parte, é hora de começar a procurar emprego. Para isso é necessário pedir certificados e diplomas. Ou seja, lidar com as burocracias típicas das universidades e os infindáveis tempos de espera (por este andar, mais vale fazer o pedido de diploma logo no início do curso). Depois seguem-se as candidaturas/entrevistas. Aqui vale tudo, excepto falar em remuneração. Esse segredo de Estado é tabu, a informação apenas é revelada já nos últimos estágios do recrutamento. Se o leitor se puser na posição das empresas até é compreensível: estão a tentar parecer incontornáveis e inatingíveis para estes jovens acabadinhos de formar, tanto que lhes estão a fazer um favor por estarem a contratar a preço de saldo. Ora, sendo Portugal um país global, moderno, europeu, não se entende o motivo pelo qual jovens que investem tempo e dinheiro na sua formação são renegados a salários que os impedem de se emancipar.

Posso parecer parte interessada, porque sou, mas as políticas de subida do salário mínimo não tiveram o impacto desejado, uma vez que não foi acompanhada pela subida do salário médio. Se por um lado há dez anos tínhamos um primeiro-ministro que mandou os portugueses emigrar, hoje temos um primeiro-ministro que diz que a geração mais preparada e formada de sempre tem condições para ficar. Ora sim, fiquem, mas resignem-se a salários muito abaixo das vossas habilitações (recordo títulos recentes do género "três quartos dos jovens ganham menos de 950 euros por mês"). Resignem-se a ter que fazer contas todos os meses para pagar contas, para conseguir abastecer o carro… Este mesmo primeiro-ministro que disse no Parlamento que o futuro não é liberal mas sim do Estado Social. Não quero ser pessimista, mas nem as benditas bazucas europeias vão mudar o que quase 20 anos de “Estado Socialista” consolidou: um Estado que tem contribuído para o desaparecimento da classe média, tirando-lhe gradualmente poder de compra. Um Estado que não reconhece (e aqui reconhecimento monetário) o devido mérito a profissionais essenciais para o funcionamento da nossa sociedade como profissionais de saúde ou professores… Um Estado que está para todos e não está para ninguém.

Criou-se em Portugal a ideia de que os problemas do país se resolvem com impostos. Não consigo conceber, no entanto, que se taxe o que não existe. Pois é, ainda nem recebi o primeiro salário e já pago taxas e impostos em todo o lado: pão, electricidade e, como tem estado nos assuntos do dia, os combustíveis. Agora, tendo emprego, resta decidir todos os outros aspectos da vida pessoal. Devo continuar num apartamento dividido com colegas para conseguir poupar algum dinheiro. Ou devo, por outro lado, partir à aventura e arrendar casa própria, deixando assim os saudosos tempos de estudante para trás?

A verdade é que, começando a fazer contas às despesas de uma habitação, começo a ver o meu ordenado fantasma a escoar-se da minha carteira. O que me assusta ainda mais é quando analiso cada uma dessas facturas e vejo que nem sequer consumi grande parte do bolo, mas foi reencaminhado para quem garante querer proteger os jovens: o Estado. O pai Estado que não confia nos seus dez milhões de filhos para gerir a sua parca mesada, e cobra como se os salários de um jovem português fossem equiparáveis aos de um jovem holandês. Dito isto, os jovens precisam de dinheiro, não de medidas de crescimento económico muito bem articuladas no Terreiro do Paço. Os jovens precisam de ser valorizados, não como um rebuçado, mas como um reconhecimento monetário das suas conquistas.

Isto são apenas alguns dilemas enquanto preencho um papel críptico para fins de IRS e apenas a entrar para o mercado de trabalho. Porque, apesar das valências, da competência e da ambição, em Portugal também é preciso um pouco de sorte para ficar à tona.

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