Que universidade queremos para a próxima década?

Haverá resistência, mas, se a universidade tradicional não se reinventar, acabará por se tornar irrelevante.

Aprendemos nos últimos meses que o futuro é incerto e que tudo pode mudar de forma repentina e inesperada. Desde março de 2020 fomos obrigados a repensar o mundo em que vivemos: os sistemas de saúde e de trabalho, a economia e os padrões de mobilidade, a segurança e a defesa e, claro, a educação.

O ensino superior não é imune à mudança. Tendo normalizado a passagem (precipitada) do modo presencial para o modo online e feito os ajustamentos operacionais necessários, é dever das universidades perceber que houve um ponto de viragem e repensar o seu papel.

As universidades são acusadas de não terem mudado nos últimos séculos. Quem trabalha, estuda, conhece as universidades tem consciência de que são necessárias reformas profundas, começando pela simplificação das estruturas e a racionalização da burocracia para prestar um serviço mais rápido e eficiente. A mudança exige uma cultura de inovação nas universidades que inclua as suas funções e missão. Haverá resistência, mas, se a universidade tradicional não se reinventar, acabará por se tornar irrelevante.

Em 2017, foram recolhidas as visões de líderes do ensino superior, governos, empresas e sociedade civil sobre a reforma das universidades, donde surgiu a obra The Futures of Universities Thoughtbook (www.futureuniversities.com), em quatro versões: Europa (2017); Austrália (2018); EUA/Canadá (2019); e Universidades em tempos de crise (2020). Em breve sairá a edição mexicana.

Da análise dos contributos dos mais de 150 peritos e representantes de partes interessadas nas quatro edições já publicadas, foram definidos cinco objetivos principais de uma universidade inovadora em 2040: produção de talentos – a universidade desenvolve e valida competências relevantes dos estudantes; parceria para a vida – a universidade melhora a formação das pessoas ao longo da vida; descoberta – a universidade desenvolve investigação “visionária” e colaborativa de vanguarda; espaço de acolhimento – a universidade cria zonas de intercâmbio abertas ao trabalho colaborativo no local/na região; plataforma de lançamento – a universidade posiciona-se como base comum de trabalho de estudantes, académicos, empresas e sociedade.

A produção de talentos implica mudanças pedagógicas, por forma a desenvolver competências críticas nos estudantes. Os modelos de aprendizagem vão da autoaprendizagem à aprendizagem entre pares, guiada, aplicada e mista. Cada estudante aprende da forma que se adapta melhor às suas necessidades e preferências. O currículo é flexível e o estudante escolhe, com a orientação de um tutor, entre diferentes cursos e disciplinas formando o seu próprio perfil.

A educação torna-se relevante pela formação de talentos que combinam diferentes disciplinas e abordagens (dos engenheiros, por exemplo, espera-se que sejam capazes de desenvolver soluções de mobilidade sustentável que equilibrem os aspetos ambientais, sociais e económicos). As escolhas incidem sobre disciplinas da universidade de pertença, mas também de outras universidades e organizações. O currículo é desenhado por professores, empregadores e representantes da sociedade civil. A universidade faz uso abundante de recursos educativos abertos de alta qualidade.

O segundo objetivo, a parceria para a vida, consiste em melhorar a formação das pessoas ao longo da vida, para que possam enfrentar a mudança. O conceito tradicional de oferta graduada compatibiliza-se com ofertas educativas ao longo da vida. Aumentam os programas profissionais e multidisciplinares. As universidades criam consórcios para a oferta de cursos curtos que atribuem microcredenciais, que podem ser acumuladas pelos estudantes para obter um grau académico.

Apoiadas por tecnologia digital, as universidades estão abertas em permanência e são flexíveis. Os interessados podem iniciar e retomar os estudos em qualquer altura, organizar a sua aprendizagem de diferentes formas (p. ex., palestras online, participação em espaços de cotrabalho), decidir como completam os seus percursos formativos (p. ex., cursos híbridos ou online, cursos de diferente duração, a tempo parcial ou inteiro) e selecionar módulos formativos de vários programas (experiências interdisciplinares e extracurriculares).

O terceiro objetivo, a descoberta, centra-se no desenvolvimento de investigação “visionária” e colaborativa de ponta, contribuindo de forma intensa para o desenvolvimento económico e social. Existe um grande potencial das universidades ainda inexplorado de aumento do conhecimento, do capital humano e da tecnologia. As universidades fazem investigação básica e aplicada, abordando problemas e desafios regionais ou globais. Unidades de investigação, laboratórios colaborativos interdisciplinares com equipas de vanguarda são comuns, reunindo investigadores de diferentes áreas científicas que promovem inovações que não poderiam ser alcançadas individualmente. Maioritariamente, as unidades de investigação incluem investigadores de várias universidades, da indústria e dos governos, que participam no financiamento das infraestruturas e equipamentos.

O quarto objetivo, espaço de acolhimento, pressupõe as universidades como espaços pró-ativos na criação e desenvolvimento de redes de colaboração de âmbito regional. As universidades são legítimos interlocutores e parceiros das regiões, atores respeitados e apreciados que se posicionam como pontos de encontro para a realização de trabalho conjunto no âmbito do ensino, da investigação e da transferência do conhecimento. As universidades abrem as portas e tornam-se lugares de experimentação coletiva e de cocriação de conhecimento, integradas em ecossistemas de inovação regional.

O quinto objetivo, plataforma de lançamento, postula que as universidades sejam uma base de empreendedorismo para estudantes, académicos e a sociedade em geral. As universidades contribuem para o bem-estar social, económico, ambiental e cultural das comunidades através da formação de capital humano qualificado, da aplicação dos resultados da investigação, da criação de empregos, etc. As universidades lançam novas iniciativas, apoiando spin-offs, para levar os resultados de investigação ao mercado, assim como start-ups, nas quais os estudantes exploram e dão visibilidade às suas ideias inovadoras. Apoiam, ainda, as pequenas e médias empresas e as entidades regionais, investindo na criação de ambientes favoráveis, como centros de inovação, espaços de fabrico, fablabs, incubadoras, aceleradores e espaços de cotrabalho.

Sendo impossível prever o futuro, vale a pena conhecer os estudos referidos. Talvez nos próximos 10 a 15 anos muitos dos locais de interação académica já não sejam físicos. As universidades estarão então capazes de ligar indivíduos e organizações de todo o mundo para a investigação e a educação digital, de forma síncrona ou assíncrona, multiplicando exponencialmente o seu impacto.

Espera-se que as universidades iniciem um diálogo honesto sobre o que pretendem ser no futuro e o que poderá ser o processo para chegar até lá. Julgamos ser este o momento, até pelo facto de o Governo ter uma nova equipa na área da ciência e ensino superior de quem se espera muito.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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