Imposto escondido com rabo de fora

Se o ritmo não abrandar, chegaremos a Dezembro com uma inflação a rondar os 14-15%, reflectindo-se numa média anual de quase 9 por cento.

Desde que adoptámos a moeda única, em 1999, a nossa inflação tem-se situado em valores excepcionalmente baixos – 1,8% de média –, comparados com o que assistimos desde 1974 até à entrada no cabaz ECU, antecessor do Euro – 18,3% de média.

Isto tem permitido às pessoas saber com o que contar quando programam as suas despesas em função do seu rendimento. Como entre 1999 e 2020 os salários subiram 2,8% ao ano, isso proporcionou um ganho no poder de compra de cerca de 1% ao ano neste período.

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Mas eis que, em 2020, o Banco Central Europeu (BCE) decide encharcar a Zona Euro com dinheiro barato, muito acima do que seria possível às economias acomodarem: um aumento de 15% de dinheiro disponível num ano nunca poderia obter uma resposta semelhante ao nível do aumento do PIB em 2021. Portanto, a inflação já era esperada e tinha margem para ultrapassar os 5% nos anos de 2021 e 2022, pois a quantidade de dinheiro também cresceu em 2021: 6% (já vamos em 21% em dois anos).

Em Portugal, porém, a inflação ficou-se pelos 0,9% no último ano (2021), sendo este o valor que (salvo algumas excepções) determina a variação salarial dos trabalhadores do Estado e das pensões para 2022. Mas por cá, no mês de Março, a inflação já vai em 5,5% e tem vindo a aumentar cerca de 1 ponto percentual a cada mês que passa. Ou seja, se o ritmo não abrandar, no mês de Dezembro iremos registar uma inflação a rondar os 14-15%, reflectindo-se numa média anual de quase 9%. Acresce que o valor de 0,9% de crescimento dos salários da função pública costuma ser o indicador de actualização de grande parte da massa salarial do sector privado.

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Inflação de 9%? Completamente descabido!

Será? Já temos membros da Zona Euro com inflações entre os 14% e os 15% no mês de Março. A média da Zona Euro foi de 7,5%, também no mês de Março. E “ainda a procissão vai no adro”.

Contas feitas, caso o ritmo de crescimento dos preços não abrande, a maioria os portugueses vão perder 8% de poder de compra. E para onde vão esses 8%?

Será preciso fazer um desenho?

Lamentavelmente, as contas não param aqui. Porque a inflação referida baseia-se no índice de preços do consumidor, e este não inclui os valores da prestação do crédito à habitação. Uma subida das taxas de juro em 2 pontos percentuais num crédito à habitação de 120.000 euros irá agravar a prestação mensal média em 200 euros. Se o rendimento médio mensal dos portugueses foi de 1250 euros em 2020, isto representa uma perda de rendimentos de 16% a somar aos outros 8%. Claro que estamos a utilizar valores médios de dívida e de rendimento, o que significa que alguns portugueses não irão sofrer um agravamento tão grande no custo de vida; mas também significa que outros irão sofrer mais.

Felizmente para nós, temos um Governo recém-empossado que, para além de ser socialista, ainda não tem um Orçamento de Estado aprovado. Perante esta realidade, de certeza que vai refazer as contas para salvar os portugueses deste cruel destino. Mais a mais, possui um ministro das Finanças com provas dadas ao nível da gestão financeira das administrações públicas, que não nos irá falhar.

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