Fala-se pouco de produtividade

A produtividade do trabalho em Portugal tem vindo a divergir da dos países mais ricos da União Europeia desde os anos 70, e não há sinais de que esta trajetória vá mudar no curto prazo.

Após a tomada de posse do novo Governo, e antecipando os milhões do Plano de Recuperação e Resiliência, convém relembrar o problema estrutural da nossa economia: a produtividade do trabalho em Portugal tem vindo a divergir da dos países mais ricos da União Europeia desde os anos 70, e não há sinais de que esta trajetória vá mudar no curto prazo. Não será exagero dizer que muitos dos nossos problemas mais arreigados (salários baixos, vagas de emigração e crise demográfica, etc) estão relacionados com esta dinâmica. Agora que a pandemia da covid-19 passa a endemia, urge afrontar a pandemia da pobreza (relativa e absoluta), cujos efeitos são ainda mais graves.

De todos os fatores que explicam esta divergência da produtividade realçaria dois: primeiro, o investimento das nossas empresas em inovação e tecnologia é muito baixo. É um fato sobre o qual até existe algum consenso político e académico, mas que temos sido incapazes de alterar.

Há políticas públicas óbvias que se podem implementar ou melhorar, como os incentivos à I&D, ou o aumento do investimento público em ciência, inovação e formação. É verdade que houve progresso nestas áreas ao longo das últimas décadas, embora tenham sido também das primeiras a sofrer cortes em contexto de crise. Isto ao contrário do que se viu em países como a Alemanha ou o Canadá, que durante a última década não só protegeram como reforçaram o investimento público em temas afins.

Mas é necessário realçar que resolver este problema implica agir também sobre outras áreas, como por exemplo a persistência no mercado de muitas pequenas e microempresas pouco produtivas, que sobrevivem graças a salários baixos e informalidade. Por muito que se exalte os benefícios do empreendedorismo, a maioria do investimento em inovação e tecnologia acontece em empresas de maior dimensão, com capacidade para investir e assumir riscos.

Embora a decisão de crescer (ou não) dependa do interesse e objetivos da empresa, há políticas públicas que ajudam ao crescimento das mesmas, ou que pelo menos retiram entraves que possam existir. Por exemplo, a protecção a empresas estabelecidas, tanto a nível formal (e.g. limitação da concorrência) como informal (e.g. favorecimento em contratos públicos) impede o aparecimento de novas empresas grandes, potencialmente mais competitivas e inovadoras. Por outro lado, os altos níveis de informalidade na economia, especialmente entre as pequenas e microempresas como mencionado, significa que crescer implica “sair da obscuridade”, já que as organizações de maior dimensão tendem a ser mais escrutinadas, a nível fiscal, laboral ou ambiental. Combater a informalidade, e simplificar os processos administrativos em geral, tem o efeito de retirar este incentivo para que as empresas fiquem pequenas.

É necessária também a criação de instrumentos de apoio financeiro, que sem se substituírem ao setor privado, possam colmatar falhas de mercado em projetos inovadores de alto risco. Muito importante, estes apoios devem exigir às empresas que os recebem que funcionem como um motor de desenvolvimento, apoiando o desenvolvimento tecnológicos das suas cadeias de valor, seguindo a estratégia de países como Japão ou Coreia do Sul. O recém criado Banco Português do Fomento pode ajudar, sempre que não se use principalmente para apoiar as “empresas amigas”.

O segundo fator que explica a divergência da produtividade é a falta de crescimento generalizado, do ponto de vista do território. Apesar de algum progresso nas últimas décadas na convergência económica entre as regiões portuguesas, apenas a área metropolitana de Lisboa tem um nível de riqueza próximo da média europeia. O resto do país, inclusivamente aquelas regiões onde estão indústrias que exportam e criam emprego, continua a ser pobre. Com algumas exceções, os vários governos portugueses evitaram dar demasiada importância a políticas territoriais, e por vezes até contrariaram o pouco que se fez, com o argumento de que o país é pequeno. Mas o resultado não é um país desenvolvido e homogéneo.

Para incentivar a inovação e o crescimento em todo o território é preciso reconhecer que o desenvolvimento tecnológico necessita de escala e massa crítica. Ajudar algumas empresas do interior a inovar não resolve o problema, porque o que falta é a disseminação generalizada de capacidades tecnológicas. O objetivo é que todos os sectores, desde a agricultura à indústria e aos serviços, em todo o país, se tornem mais intensivos em conhecimento.

Uma solução seria investir em polos de inovação, com recursos suficientes para cumprir a sua função. Dito de outra forma, teriam que ser poucos, bons e especializados, caso contrário o resultado é a criação de organizações pouco competitivas e com pouca qualidade. Estes polos deveriam ser capazes de mobilizar os recursos que já existem, desde as universidades aos centros tecnológicos, escolas, centros de formação profissional e outros, com o objetivo central de disseminar tecnologia e apoiar a inovação nas empresas. Deveriam ter capacidade para financiar e apoiar provas de conceito, prototipagem, produção à escala e outras etapas do processo de inovação, especialmente em empresas pequenas com potencial de crescimento.

É verdade que o Estado não pode criar por decreto empresas mais inovadoras (e pode por vezes até ser um entrave a que se inove). Mas pode utilizar os instrumentos que tem ao seu dispor de forma mais criteriosa, tanto os que são estritamente sobre a inovação como aqueles que ajudariam a uma renovação do tecido empresarial português.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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