A Educação de 8 a 80

A integração da tecnologia no processo educativo sofre de uma grave lacuna entre o que é a realidade e os que são as expetativas, num período de dúvidas de todo o ecossistema educativo.

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Cortesia Marco Bento

Assistimos atualmente a um mundo de olhares extremistas, nos quais apenas há lugar ao debate entre o bem e o mal, entre o preto e o branco, entre a esquerda e a direita, entre o certo e o errado, entre a inovação e a tradição, entre o digital e o analógico, entre o professor e o aluno. Essa é uma visão muito radical sobre o que deveria ser a capacidade humana de ouvir, respeitar, debater e incutir o bom senso e o equilíbrio nos pensamentos e discussões.

Na Educação, permanece a controvérsia entre a necessidade de inovação do sistema educativo, e a sua natural evolução social, versus a permanência de um modelo tradicional de ensino consistente, testado e seguro na sua ação pedagógica. Estamos apenas a viver na ilusão social de um mundo voltado para a transformação do sistema educativo pela inovação com tecnologia. Na verdade, a inovação, com e através da tecnologia, é apenas um placebo que nos é dado como se a sua utilização fosse uma prática inovadora num sistema de ensino.

Se as práticas com o digital fossem inovadoras, por que razão permanece a discussão sobre a necessidade ou as potencialidades da introdução da tecnologia em contextos educativos? Qual a razão de tantos Encarregados de Educação não assumirem essa importância e não requererem os computadores entregues pelo Ministério da Educação para os seus educandos? Por que razão as direções das escolas não acreditam nos seus professores e nos seus desenhos de atividades digitais, limitando as suas ações pedagógicas? Por que razão muitos professores não reconhecem a importância de uma inclusão do digital, combinada com outras estratégias e recursos nos seus desenhos pedagógicos? Por que razão os decisores não compreendem a importância de uma infraestrutura e equipamentos de qualidade para essa inovação? Como consciencializar os alunos nos processos de transformação pedagógica, se o que lhes é solicitado é o mesmo formato avaliativo? Qual o impacto das imensas investigações no processo de ensino?

A integração da tecnologia no processo educativo sofre de uma grave lacuna entre o que é a realidade e os que são as expetativas, num período de dúvidas de todo o ecossistema educativo sobre a eficácia ou não da tecnologia na aprendizagem, diabolizando-a e seguindo, assim, o extremismo da discussão.

O primeiro passo é a aceitação pelos alunos, pais, professores, direções e decisores que existe espaço e tempo para integrar a tecnologia com o mesmo equilíbrio com que deveria ser assimilado (e também não o é) o desporto e as artes. É inquestionável, porém, que a competência e confiança dos professores na manipulação da tecnologia é um fator chave para incorporá-la no ensino, e assim surge na formação uma variável decisiva para uma mudança bem-sucedida na cultura docente. O segundo passo é, necessariamente, debater o processo de avaliação, uma vez que tem influência nos processos dos alunos, pais, professores, direções e decisores!

Quando falamos de avaliação, partimos de um equívoco, pois avaliar não é o mesmo que classificar. O sistema está demasiado alienado com a pretensão em classificar, mas, sobretudo, por aplicar os mesmos instrumentos de avaliação em qualquer estratégia pedagógica. A questão de os instrumentos de avaliação serem contestados pela Escola no seu todo, por estes não funcionarem ou não serem eficientes, acontece, muitas vezes, por uma falta de compreensão e noção do que é, realmente, possível fazer num processo pedagógico designado de avaliação.

O foco deverá ser através da avaliação pedagógica, isto é, uma avaliação que permita ao aluno aprender mais e melhor. A avaliação é um processo pedagógico e não um “fim de etapa”. Naturalmente, muitas escolas estão em final de período e o fenómeno das avaliações é demasiadamente valorizado, esquecendo todo o processo e o que cada aluno faz em cada dia, realçando cada etapa e não apenas aritméticas estatísticas. Mas compreendemos que os professores se sintam pressionados pelo sistema educativo, pela família e pela sociedade, para uma avaliação que seja uma classificação, já que todos procuram números que traduzam resultados. Como tal, necessitamos pensar como é que, pedagogicamente, vamos desenhar uma tarefa para criar condições para o aluno planificar, desenvolver e construir um produto que implique a aplicação dos conteúdos e ilustre as suas competências, sejam individuais ou em grupo, com ou sem avaliação oral, mas monitorizando o trabalho nas diferentes etapas da sua construção, e não, apenas, o produto final, classificado com um número. A conceção e a monitorização do processo de avaliação e das tarefas, numa colaboração e cocriação entre o aluno e o professor é mais exigente, mas o processo melhora a aprendizagem, e esse é um dos objetivos fundamentais da avaliação.

Assim, sabemos que o modelo de acesso ao Ensino Superior constitui um formato ultrapassado e injusto, que condiciona toda a transformação pedagógica no restante ensino obrigatório. Deste modo, é urgente que o Ensino Superior participe, ativamente, nessa seleção e decisão. Liderar o processo de transformação pedagógica deveria ser uma prática de quem ensina e investiga pedagogia.

A Educação não pode continuar a falhar, desde logo, quando se contesta a ciência, mas também deverá ter a hipótese de errar em alguns momentos. O julgamento não poderá situar-se apenas no 8 ou no 80, mas, sem extremismos, definir-se com equilíbrio, participação e compreensão de toda a sociedade.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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