Os labirintos da lei: morte medicamente assistida

A importância da lei e a já longa discussão pública leva-nos a pedir que a nova versão seja apresentada e votada com rapidez. Não quer dizer isso que não possa haver alterações substantivas, de que dou exemplo apenas três.

Já vai longe o início desta discussão sobre a Morte Medicamente Assistida (e tão tarde que foi em Portugal). Depois de duas versões da lei, os argumentos a favor ou contra a lei estão, de certa forma, estabilizados, sendo que houve nas duas versões maioria de deputados que aprovaram a lei.

Com a maioria absoluta do Partido Socialista, a que acrescem os votos do Bloco de Esquerda, da Iniciativa Liberal e do Partido Animais e Natureza, espera-se que a lei, com uma terceira versão, seja aprovada em breve.

Infelizmente, nos vários momentos de reflexão que os deputados tiveram, não parece ter havido vontade de os partidos lançarem mão dos conhecimentos consolidados, mas também as críticas justas sobre a lei (que resultam de pessoas contra e a favor de uma lei).

Mais do que uma discussão parlamentar, teria sido importante, como outros países fizeram, que uma comissão interdisciplinar pudesse ter analisado a questão promovendo várias soluções possíveis que os deputados depois ponderariam. Não foi esse caminho o possível – por razões que os partidos saberão.

A importância da lei e a já longa discussão pública leva-nos a pedir que a nova versão seja apresentada e votada com rapidez. Não quer dizer isso que não possa haver alterações substantivas, de que dou exemplo apenas três:

Uma melhor definição de conceitos: entenderam os deputados apresentar na última versão da lei uma série de definições como Morte Medicamente Assistida, Suicídio Medicamente Assistido, Eutanásia, Doença grave ou incurável, etc. Ora, essas definições introduziram ruído desnecessário à lei, sobretudo porque o legislador tentou estabelecer conceitos legais a partir de conceitos que são em primeira análise (bio)éticos, e, por isso, constituídos – necessariamente – de tensões valorativas. Seria importante o legislador definir os limites da lei, isto é, das formas em que a morte medicamente assistida (MMA) não é punível, deixando de lado uma tentativa vã de definição de conceitos que não são importantes para a lei.

Uma menor teia burocrática: talvez não se tenha presente, mas esta lei está construída desde a perspectiva da comunidade e não a partir da experiência do doente. Se se atentar o esquema abaixo, ainda sem qualquer regulamentação (que será feita posteriormente pelo governo), o percurso do pedido acresce incerteza e sofrimento ao estado global do doente. Isso deve-se, seguramente com bons propósitos, a uma excessiva valorização da consciência apaziguada da sociedade.

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Uma verdadeira comissão de verificação e uma comissão de avaliação: talvez por ingenuidade, os deputados criam, nesta lei, uma Comissão que tem duas funções (provavelmente conflituosas): por um lado, são os últimos a verificar se todos os requisitos estão cumpridos e, por isso, tem o valor de aceitação final do pedido do doente (acresce a essa validação pelo menos a aceitação tácita da IGAS, que pode, em qualquer momento, determinar a suspensão do pedido); por outro lado, apresenta um relatório anual sobre a aplicação da lei da qual é parte integrante, gerando uma confusão de papéis (que acontece também, desde logo, na revisão do relatório final do processo: como é que uma comissão valida o procedimento, verificando se tudo foi cumprido, e depois vai invalidar a sua própria decisão?).

Esta Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida tem uma outra idiossincrasia: ela é formada por membros das ordens profissionais que sabemos serem – no caso das lideranças actuais – completamente contra qualquer lei sobre a MMA. Será, mais uma vez, ingenuidade do legislador? Não se pode, em Portugal, estabelecer comissões livres e conhecedoras sem precisar de nomeações das Ordens?

Pede-se aos deputados, não só a rapidez necessária para votarem uma lei da morte medicamente assistida. Mas pede-se, também, que seja a melhor das leis possíveis.

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