Centralismo e regionalização: a propósito do Governo de António Costa

A regionalização só pode existir se o regional se tornar nacional. Só pode existir se se der a conhecer, através das próprias regiões, o que elas podem e devem dar.

Ao ler o PÚBLICO de domingo, 27 de Março de 2022 — em papel, evidentemente, o único que me interessa neste mundo volátil em que reina a opinião —, vejo com alguma estranheza que, segundo ilustres entrevistados ou simplesmente contactados, o Governo presidido por António Costa é formado apenas pela “corte de Lisboa", indo as críticas ao ponto de dizerem que seria só “um bom governo para a Área Metropolitana” da capital. Disse “com alguma estranheza” porque não me consta que algum outro Governo deixasse de ser assim: formado por gente da confiança do primeiro-ministro e do seu partido.

Basta conhecer o que é a vida política deste, e por certo de outros países, para tal ser uma evidência. Todos que percorremos estradas, caminhos ou veredas da vida partidária sabemos que, para chegar a Lisboa, sede do Governo, é necessário entrar num processo interventivo da vida política que, se em alguns casos tem por ponto de apoio a competência, noutros casos tem motivações que não lhe dizem respeito: a aproximação do poder (geográfica ou por acção de influências diversas), o activismo dentro do partido, a participação “espectacular” em tudo o que se pode ouvir e ver (mesmo que nada se diga de interesse), as modas de algumas teorias ou práticas de diversa ordem, etc. Em conclusão: jamais se pode encontrar nos governos “o (ou a) mais competente” ou aquele ou aquela que melhor represente o país no seu conjunto e, sobretudo, as regiões mais afastadas deste pequeno país de pouco mais de 90.000 quilómetros quadrados e pouco mais de 10 milhões de habitantes.

Fala-se constantemente em regionalização, mas será que ela é alguma vez praticada? Se entendermos por regionalização a ascensão de alguns concelhos e freguesias pelas suas manifestações e organizações de tipo diverso, quer económico, quer social, quer cultural, também poderíamos contrapor o abandono ou o sono de outros e outras, quando não a destruição ou o abandono do património, devido afinal aos mesmos vícios que encontramos sempre e somente na capital. Regionalização, no tempo em que vivemos, tem de supor uma acção conjunta do Governo, das autarquias e dos cidadãos, e das tais Comissões de Coordenação e Desenvolvimento das Regiões ou de outras organizações que venham a ser criadas, num verdadeiro processo de descentralização. Não pode restringir-se à visita ocasional dos governantes ou do Presidente da República, geralmente bem-intencionadas ou, por vezes, com sentido oportunista ou pragmático, como se a capital fosse ao campo como quem vai ao jardim zoológico ou ao jardim botânico em visita turística.

Neste momento em que a televisão e a rádio têm um papel fundamental (já nem falo das redes sociais, só para alguns), a ponto de se dizer que não existe o que não é visto, não bastam os programas sobre as regiões que por aí abundam, mesmo na TV estatal, que se limitam a entreter o zé povinho com a ida às cidades, vilas e aldeias do interior, onde muitas vezes é apresentado o que há ali de pior. A regionalização só pode existir se o regional se tornar nacional. Só pode existir se se der a conhecer, através das próprias regiões, o que elas podem e devem dar. Por exemplo, criando programas onde estão os mais competentes, sejam de Lisboa, de Bragança, de Tavira, de Évora ou da Horta, ou desenvolvendo o trabalho das existentes estações da RTP, e de outras que se venham a criar, que têm de ser centros de difusão de cultura e deixem apenas de ser meras correias de transmissão do que vem de Lisboa (com uma pitadinha local), por vezes de péssima qualidade, sobretudo quando reflectem, de forma espectacularmente parola, uma comunicação dita internacional de grandes interesses. Mas para isso também as regiões têm de se afirmar e não esperar apenas pelas decisões dos governos.

Enquanto tudo se passar com até agora, não se fale de regionalização nem de centralismo. Neste caso, estou de acordo com Daniel Bessa, referindo-se à constituição deste Governo: “É o que podemos esperar. Está tudo certo.”

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