Carta aberta ao ministro da Educação

Neste início de legislatura, seja-me permitido enunciar o que, a meu ver, são cinco dos problemas maiores que certamente merecerão a atenção do senhor ministro.

A nomeação de um novo ministro da Educação é sempre motivo para sistematizar problemas e desenhar horizontes desejáveis que melhorem os processos e os resultados educativos. Este texto escreve-se nestes dois andamentos, prescinde de quadros teóricos e de pressupostos e procura ir direto aos assuntos.

Como se sabe, o sistema educativo é hipercomplexo pela sua dimensão, pelo desencontro de expetativas, pelas arenas políticas e ideológicas que ativa, pela diversidade de públicos, atores e agências. Neste início de legislatura, seja-me permitido enunciar o que, a meu ver, são cinco dos problemas maiores que certamente merecerão a atenção do senhor ministro.

A centralização e a burocratização do sistema educativo. Começo pelo que considero ser um problema quase insolúvel. A centralização limita a liberdade e a autonomia da ação das escolas, uniformiza soluções que acabam por ser desajustadas face à realidade, desconfia das inteligências locais, introduz lógicas de tensão entre as autarquias e as escolas. Muitas vezes os meios transformam-se em fins, a perversão burocrática faz da regra uma finalidade não raras vezes absurda porque injusta e desajustada face à realidade.

Gestão, avaliação e progressão na carreira docente. Como é sabido, a carreira docente encontra-se bloqueada. Milhares de professores com mais de 20 anos de serviço estão ainda a meio (ou nem isso) da carreira. Por efeito da limitação das quotas de progressão, marcam passo anos e anos. E isto só pode gerar um profundo descontentamento e desvinculação e ameaçar a procura social da profissão.

Formação inicial de professores e atratividade da profissão. A formação inicial de professores continua tendencialmente desligada dos problemas reais das escolas e dos alunos. Os futuros professores não aprendem a ensinar quem não quer aprender, têm dificuldade em praticar uma avaliação pedagógica que esteja ao serviço das aprendizagens de todos os alunos, não veem as vantagens de modos de trabalho docentes de matriz mais colaborativa e em equipa educativa.

Organização das aprendizagens, modos de trabalho docente e renovação da pedagogia. Há um número indeterminado de professores que continua a pensar que o seu papel é ensinar. O problema é que pouco adianta ensinar se os alunos não aprenderem. Por isso, é preciso fazer ver que a missão primeira é gerar nos alunos a vontade de aprender. E isto é de extrema complexidade porque mexe com o querer, o saber e o poder dos professores, com os modos de trabalhar, com as pedagogias que têm de abandonar o quadro negro da pura transmissão.

Lideranças tóxicas. O quinto problema enuncia-se na própria designação. São modos de liderar que coartam a liberdade de pensar e de organizar, que fazem do controlo o modo de afirmação da autoridade, que desprezam as inteligências que poderiam iluminar os problemas concretos e as soluções possíveis. Lideranças que são, por isso, a sua negação concetual, pois não lideram, não estimulam, não ativam vontades e recursos, não construem comunidade.

Desenhando horizontes de possibilidades

Enunciados os problemas, deve dizer-se que a primeira sugestão para a ação política do novo ministro é justamente a de gerar condições, circunstâncias, estímulos para que, a nível local, os atores queiram ser autores de novas geografias e novas gramáticas educativas. Confiar, em concreto, nas capacidades das escolas e dos professores de organizarem a ação educativa sob o signo de mais liberdade, responsabilidade e da territorialização das políticas locais. O que implica a revisão e o reforço dos conselhos municipais de educação.

A resolução do problema da centralização só é viável com uma nova lei orgânica do ministério alinhada com a sugestão anterior, com a redefinição da missão dos serviços centrais, a refundação das direções regionais de educação, uma profunda revisão da avaliação e progressão na carreira dos professores e uma real formação das lideranças de topo e intermédias que governam as escolas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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