Falta de professores: algumas considerações

O problema da falta de professores não está só, creio até que esse seja um problema de somenos, no recrutamento e vinculação. Está sobretudo na falta de condições globais.

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Rui Gaudencio/Arquivo

A grande notícia desta semana foi a de que “mais de 100 mil alunos estarão sem pelo menos um professor já no próximo ano”. Não é uma novidade, pois já em novembro do ano passado, quando o Governo apresentou um estudo encomendado à Universidade Nova SBE, se sabia que 40% dos professores se iriam reformar até 2030 e, em consequência, será necessário recrutar, em média, 3400 novos docentes por ano.

Geralmente, na altura em que decorre o concurso de professores, o tema da sua falta costuma voltar à ordem do dia. No entanto, parece-me que as soluções que foram apresentadas pelo governo são manifestamente insuficientes e sobretudo ignoram o real problema da profissão. Nas Linhas Gerais do Programa do Governo as soluções consideradas como sendo as que irão acautelar a falta de professores são: tornar a carreira de professor mais atrativa, nomeadamente, através de novos modelos de recrutamento e de vinculação; permitir a vinculação ao quadro de escola, ao quadro de agrupamento e ao de zona pedagógica o mais rapidamente.

Considerar que estas medidas terão resultados práticos é estar mal informado quanto às reais razões por que os professores desistem da profissão e os jovens nem sequer a equacionem. Abrindo o concurso de professores a mais candidatos, através da revisão das habilitações mínimas para a docência, oferecendo uma entrada na carreira mais lesta, baixando a fasquia e o rigor na seleção, pode-se conseguir aumentar o nível de interessados em ingressarem na profissão, mas não se conseguirá nem captar os melhores, nem evitar que outros tantos dela desistam.

A carreira de professor, tal como está, deixou de ser interessante para a maioria dos que o são e menos ainda para quem algum dia até possa ter equacionado segui-la. De que serve oferecer uma mais rápida inclusão nos quadros se, por exemplo, isso significa estagnar durante décadas no mesmo escalão remuneratório? De que serve oferecer essa integração aos que entram se faltaram ao respeito, aos que dela fazem parte, quando saquearam mais de seis anos efetivos de trabalho, com todas as repercussões negativas que isso teve na vida desses milhares de professores?

O problema da falta de professores não está só, creio até que esse seja um problema de somenos, no recrutamento e vinculação. Está sobretudo na falta de condições globais. Ajustando e melhorando estas condições, os candidatos surgirão naturalmente. O foco deve ser esse. Caso contrário, iniciaremos um caminho, penso até que o possamos já ter iniciado, que levar-nos-á à efetiva falta generalizada de professores. Esta, por sua vez, conduzir-nos-á a um estado de emergência educativa e a termos de recorrer a “qualquer um” que aceite desempenhar a função de professor por um valor bem mais atrativo para quem contrata.

Uma vez que não me parece que as soluções passem só por uma flexibilização no recrutamento, revendo as habilitações para a docência, recrutando qualquer licenciado, fazendo da profissão uma espécie de escape do desemprego, nem por uma vinculação acelerada, que soluções então deverão ser equacionadas para combater este flagelo?

Dignificar e tornar a carreira mais atrativa, passa em primeiro lugar por devolver alguma dignidade aos professores, devolvendo o tempo de serviço efetivamente trabalhado para efeitos de progressão, eliminando as quotas e revendo os índices remuneratórios que, como já tive oportunidade de escrever, sofreram desde 2009 uma atualização ridícula. No índice 167, que corresponde aos professores contratados e no primeiro escalão da carreira, o aumento foi de 18,27€, bruto em 13 anos. Revelador! Alargando as possibilidades de vinculação de acordo com as reais necessidades do sistema, dando incentivos para professores deslocados, garantindo a equidade nos descontos para a segurança social entre professores com horários completos e incompletos, completando estes últimos para se tornarem mais apelativos para os candidatos.

Criar condições organizacionais promotoras de ambientes saudáveis de aprendizagem, começando desde logo por rever o modelo de gestão dos estabelecimentos de ensino, recuperando a sua democraticidade. Revalorizando o currículo que tem sofrido demasiadas alterações de eficácia pedagógica questionável. Reduzindo o número de alunos por turma e definindo o máximo de alunos por professor. Revendo a Avaliação de Desempenho Docente, abolindo a classificação do desempenho, entre pares. Atribuindo mais meios para a inclusão, pois a forma como se tem tentado implementá-la nas escolas tem sido altamente ineficaz promovendo muitas vezes, citando Santana Castilho, “uma exclusão dupla, mais gravosa ainda para os que nasceram diferentes”. Reduzindo drasticamente a burocracia escolar, é sabido que uma das causas que leva os professores à exaustão é a excessiva carga burocrática com que se veem a braços diariamente nas escolas. Redefinir as tarefas que são da competência dos serviços e as que são dos professores, devolvendo-lhes o tempo necessário para que se possam focar na sua primordial tarefa, ensinar.

Combater veementemente a indisciplina e violência em meio escolar. É essencial que haja um sinal claro por parte da tutela de que haverá tolerância zero no que toca a indisciplina em meio escolar. Simultaneamente, deverão ser criadas redes de apoio sociais e comunitárias que, em colaboração com as escolas, deverão prevenir estas situações a montante, no seio do problema que é maioritariamente fora da escola.

Colocando em marcha estas medidas, naturalmente os jovens tenderiam a sentir-se mais motivados a seguir esta tão nobre profissão.

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