Asghar Farhadi formalmente acusado de plágio em tribunal iraniano

Primeira instância deu razão à ex-aluna que diz que o cineasta não lhe deu crédito pela ideia do premiado Um Herói.

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Farhadi em Cannes em 2021 JOHANNA GERON/Reuters

Um tribunal iraniano deu razão à ex-aluna do realizador iraniano Asghar Farhadi que o acusa de roubar a sua ideia para o filme vencedor do Grande Prémio no Festival de Cannes de 2021, Um Herói. O conceituado realizador será por isso efectivamente julgado por plágio, depois de Azadeh Masihzadeh ter exposto que no âmbito de um workshop dirigido pelo cineasta filmou um documentário sobre o tema que depois o próprio Farhadi viria a explorar numa longa-metragem de ficção. A decisão ainda não é final, tendo um segundo juiz de avaliar o caso e proferir uma sentença, mas a primeira instância encontrou provas de violação dos direitos de autor de Masihzadeh por parte do realizador detentor de dois Óscares, que nega a acusação.

Nos últimos dias, a confusão em torno deste caso foi grande e chegou a noticiar-se que o cineasta tinha sido considerado culpado do crime de que é agora apenas formalmente acusado.

O caso está a ser acompanhado pela revista norte-americana The Hollywood Reporter, que primeiro noticiou a existência do processo e frisou que, segundo o código de processo penal iraniano, a queixosa arrisca-se a receber 74 chicotadas se não lhe for dada razão. A mesma revista, que avançou esta primeira decisão do tribunal de Teerão, detalhava no início desta semana que só depois da decisão de um segundo juiz o caso poderá passar para novo estádio: um recurso ou uma reavaliação por ordem do novo juiz. O advogado de Asghar Farhadi, Kaveh Rad, frisa por seu turno na sua conta na rede social Instagram que esta é apenas uma parte do processo e que ainda não há um veredicto final.

Paralelamente a esta acusação, que ensombra a reputação de um dos mais conhecidos realizadores iranianos, Farhadi chegou também a ser alvo de um processo movido pelo homem em cuja história o filme se inspira. Identificado como Mohammad Reza Shokri, o agora ex-recluso que durante uma saída precária encontrou um saco com ouro e o devolveu, acusava o cineasta de difamação pela forma como é retratado no filme. Mas esse caso ficou pelo caminho, com o tribunal a não lhe reconhecer validade.

Do plágio à difamação

A história agora em tribunal remonta a 2014, quando Farhadi orientou um workshop de documentário na escola de cinema iraniana Karnameh Institute. A tarefa dos alunos era fazer uma curta documental sob o tema “devolver coisas perdidas”, com base em casos reais. Azadeh Masihzadeh baseou-se então na história de Shokri. O seu documentário, All Winners, All Losers — o título em inglês — foi exibido em 2018 no festival local Shiraz Arts. A Hollywood Reporter falou no mês passado com alunos presentes no workshop e com a directora do Karnameh, que confirmam a versão da aluna; mas houve estudantes que assinaram um comunicado a defender Farhadi.

O caso ganha contornos mais burocráticos quando se mergulha na argumentação de Masihzadeh, que garante que a história do ex-recluso não fora senão noticiada num pequeno jornal local e que Farhadi não a conhecia antes de ela a ter levado ao workshop; Farhadi defendeu que a inspiração para a história surgiu antes do workshop em questão e invocou uma notícia num órgão de informação nacional (notícia que é no entanto posterior ao workshop).

Em 2019, a equipa de Farhadi contactou Azadeh Masihzadeh para lhe pedir que assinasse um documento segundo o qual a ideia para o documentário fora do realizador. “Não devia ter assinado, mas senti-me sob grande pressão para o fazer”, disse Masihzadeh à revista norte-americana, invocando ter-se sentido intimidada. “O sr. Farhadi é um grande mestre do cinema iraniano. Usou esse poder sobre mim para me fazer assinar.”

É assim que se chega à primeira decisão da justiça iraniana sobre o caso. A equipa de Farhadi, secundada pela Memento Production, co-produtora francesa de Um Herói, confia que o cineasta será ilibado porque “não se pode reclamar propriedade de temas que estão no domínio público, dado que a história do prisioneiro tinha sido contada tanto em artigos na imprensa quanto em notícias televisivas antes antes da estreia do documentário de Masihazadeh”, diz o responsável da empresa, Alexandre Mallet-Guy, em comunicado citado pela revista.

Farhadi nunca deu crédito pela ideia a Masihazadeh, e processou mesmo a jovem por difamação depois de esta ter recorrido à justiça neste caso cada vez mais mediático. O tribunal não deu razão a Farhadi, considerando improcedente a acusação de difamação.

Estreado a 3 de Março em Portugal, Um Herói teve uma carreira modesta em sala, tendo acumulado na primeira quinzena de exibição cerca de 2500 espectadores e 13.581 euros de receita bruta de bilheteira. Ainda está nos cinemas, numa sala em Lisboa e numa sessão semanal em Santarém.

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