A partir de Maio, vai haver placas por Lisboa a contar a história da presença africana na cidade

A iniciativa da Associação Cultural e Juvenil Batoto Yetu, em parceria com a Câmara de Lisboa, quer inscrever na toponímia da cidade a história dos povos africanos que dela sempre fizeram parte.

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O Terreiro do Paço é um dos locais onde vai ser colocada uma placa Nuno Ferreira Santos

Há dois anos que Lisboa devia ter espalhadas pelas suas ruas e praças 20 placas toponímicas que contam a história da presença africana na cidade. Com a pandemia e a falta de apoios financeiros, a iniciativa ficou parada, mas a Associação Batoto Yetu Portugal (BYP) não quer esperar mais. Neste momento está à procura de donativos e mecenas que apoiem o projecto e em Maio, mês de África, esta associação cultural e juvenil conta já ter todas as placas instaladas na capital.

“Não temos verbas próprias, que já são relativamente pequenas, porque tivemos de suspender os nossos espectáculos [com a pandemia], então achámos que seria uma boa aposta [a angariação de fundos], até porque isto é do domínio público. Não queríamos deixar passar esta data e adiar mais tempo um projecto de tanta relevância para a cidade”, conta ao PÚBLICO José Neves, membro da direcção da BYP.

A iniciativa remonta a 2018, ano em que, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e de seis juntas de freguesia — Belém, Estrela, Misericórdia, São Vicente, Santo António, Santa Maria Maior e Arroios —, ao abrigo do programa BIP/ZIP, se começaram a dar os primeiros passos para se elaborarem as duas dezenas de placas toponímicas relativas a alguns dos mais importantes locais da presença das comunidades africanas em Lisboa desde o século XV, em conjunto com a historiadora Isabel Castro Henriques, o Departamento do Património Cultural da CML e o Gabinete de Estudos Olisiponenses.

Segundo a associação, a ideia é “dinamizar o espaço e a memória histórica africana” da cidade, colocando no centro da mesma “referências das actuais populações portuguesas de origens africanas, que maioritariamente residem nos subúrbios da capital e nos concelhos limítrofes”, assim como contribuir para o estudo sobre “os afro-descendentes em Lisboa”.

Como a colocação das placas “ficou mais cara do que o previsto”, explica José Neves, faltam 6 mil euros para a colocação das mesmas, verba que a câmara de Lisboa não pode avançar, visto que “não pode apoiar duas vezes o mesmo projecto” no âmbito do protocolo estabelecido entre as duas entidades.

A BYP procurou outras linhas de apoio, mas sem sucesso e, por isso, lançou no final de Março um apelo nas redes sociais para angariar fundos, tendo já arrecadado mais de 2 mil euros. Mas a direcção não quer ficar por aqui. “Estamos a estabelecer contactos com mecenas porque queremos um apoio mais representativo do poder estrutural e económico e não das pessoas que já ajudam sempre”, diz o vice-presidente da associação.

Com o dinheiro angariado vão começar a colocar o material ainda este mês na freguesia de Santa Maria Maior, a zona prioritária da iniciativa, e esperam entretanto conseguir o resto das verbas para ter todas as placas instaladas em Maio.

​Na Igreja de São Domingos, na Paróquia dos Mártires, na Praça do Rossio, no Terreiro do Paço, no Largo do Pelourinho Velho, no Campo das Cebolas ou no Chafariz d'El Rei, os lisboetas — e todos que pela cidade passarem — vão poder encontrar placas identificativas a dar conta da existência de antigos mercados de escravos, sistemas de distribuição de águas divididos entre pessoas brancas e racializadas ou locais de encontro e comércio da comunidade africana.

Esta sinalética será integrada nas visitas guiadas pelos espaços de memória da presença africana na cidade realizadas pela associação há seis anos com o apoio da Câmara Municipal de Oeiras e do Alto Comissariado para as Migrações, a fim de “enriquecer estes percursos” e “facilitar a criação de um roteiro com evidências físicas” sobre esta história.

De futuro, a BYP prevê também erigir um busto de Paulino José da Conceição, conhecido por Pai Paulino, no Largo de São Domingos, onde trabalhou como caiador, realizada pelo escultor moçambicano Frank Ntaluma. Figura popular africana do século XIX, que se dedicou a ajudar pessoas de origem africana no seu acolhimento e integração na cidade, vai juntar-se a outras estátuas como a de D. Pedro V e D. José I, erguidas na baixa da cidade.

Para além deste projecto, a Associação Cultural e Juvenil Batoto Yetu Portugal, presente em Oeiras desde 1996, desenvolve projectos de intervenção social, presta apoio à comunidade imigrante e faz espectáculos e workshops de dança e percussão, incluindo de fado dançado.

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