França “gravemente preocupada” com possíveis massacres cometidos por mercenários russos no Mali

Paris e Washington dão conta de “relatos extremamente perturbadores” da morte de um grande número de pessoas às mãos de soldados do Exército malianos acompanhados por elementos do Grupo Wagner, próximo do Kremlin.

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O actual Governo saiu de um golpe de Estado em Maio do ano passado Reuters

O Exército do Mali anunciou ter morto “203 combatentes” de “grupos armados terroristas” durante uma operação em Moura, uma localidade no centro do país. Mas tanto os Estados Unidos como a França acreditam que as vítimas podem ter sido civis. Num comunicado divulgado esta segunda-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês dá conta de “informações que referem abusos massivos na vila de Moura [cometidos] por elementos das Forças Armadas Malianas acompanhados de mercenários russos do grupo Wagner, que terão causado a morte de centenas de civis”.

Na véspera, o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price, afirmou que os Estados Unidos estão a ouvir “relatos extremamente perturbadores” da morte de um grande número de pessoas às mãos do Exército do Mali acompanhados de membros do grupo russo Wagner. Segundo Price, “muitas descrições sugerem que os perpetradores são forças do Grupo Wagner, apoiado pelo Kremlin”, apesar de outras indicarem que “as Forças Armadas Malianas atacaram elementos de conhecidos grupos extremistas violentos”.

As dúvidas são muitas. De acordo com o próprio Exército do Mali, esta operação decorreu entre 23 e 31 de Março. Na sexta-feira, dia 1 de Abril, o Estado-maior pedia “às populações para se absterem de especulações difamatórias” sobre as forças malianas.

“Estes relatos contraditórios ilustram a necessidade urgente de que as autoridades de transição do Mali ofereçam acesso livre, seguro e sem limites a investigadores imparciais à área onde estes acontecimentos trágicos se desenrolaram”, defende Price. O Ministério francês pede igualmente a “rápida abertura de inquéritos nacionais e internacionais para estabelecer responsabilidades”, inquietando-se ainda com “a multiplicação de abusos no centro do Mali desde o início do ano e com a impunidade em que se desenrolam”.

A junta militar no poder no Mali pediu a intervenção dos mercenários russos do grupo Wagner, uma milícia privada com armas pesadas que já esteve na Síria, em Moçambique na Líbia ou na Ucrânia. As tropas francesas, assim como de outros países europeus, que estavam no país em operações de combate ao jihadismo, têm-se retirado, à medida que as relações com as novas autoridades pioravam. Em Janeiro, Nicolas Bertrand, correspondente da France Télévisions, contava como instrutores russos tomavam o lugar dos franceses em bases que estes deixaram no Centro e no Norte do Mali “apenas dias, semanas depois da partida”.

A União Europeia impôs sanções ao Grupo Wagner, que acusa de realizar operações clandestinas em nome do Kremlin, Segundo o Presidente russo, Vladimir Putin, o grupo não representa o Estado, mas, tal como outras empresas de segurança privadas, pode trabalhar em qualquer lugar do mundo, desde que não viole a lei russa.

As Nações Unidas acusaram repetidas vezes os soldados malianos de execuções sumárias de civis e de suspeitos jihadistas ao longo da luta da última década contra grupos ligados à Al-Qaeda e ao Daesh. Em alguns, poucos, casos, o Exército reconheceu que os seus membros estavam por trás de abusos e já houve soldados acusados em tribunal.

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