A UE no mundo: mais autonomia, mais poder militar e uma política comum para os migrantes

O debate sobre o futuro da Europa está em aberto e sucedem-se os contributos dos cidadãos. A professora universitária Ana Isabel Xavier lembra que, “no final do dia”, a prioridade da política externa europeia é sempre garantir a segurança dos 27.

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Exército europeu é uma ideia polémica que surge entre os contributos dos cidadãos EPA/Valda Kalnina

Uma guerra na Europa, uma crise de refugiados, uma inflação galopante e uma União Europeia (UE) agarrada à dependência externa em vários sectores. O contexto não podia ser mais adequado para uma discussão sobre o papel da União Europeia (UE) no mundo. Numa altura em que o projecto europeu está em discussão, por via da Conferência sobre o Futuro da Europa (CoFoE), que papel deve assumir a UE na política internacional?

A “UE no Mundo” é o mote do novo tópico da série editorial do PÚBLICO sobre a CoFoE, que já abordou os valores europeus e a dimensão económica e social. Recolhemos vários contributos dos cidadãos — seja os deixados na plataforma online da conferência, seja os emanados do Painel de Cidadãos e ouvimos a professora associada em relações internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa, Ana Isabel Xavier, para perceber o que está em causa.

Uma política mais autónoma?

Nos últimos tempos, a propósito da Bússola Estratégica, o documento norteador para os próximos anos da política externa europeia, um dos conceitos chave mais proclamados pelos líderes europeus é o de “autonomia estratégica”.

Entre as recomendações deliberadas pelo Painel dos Cidadãos, existem várias a defender uma UE mais autónoma em diferentes áreas. “Recomendamos que a UE reduza as dependências das importações de petróleo e gás”, lê-se numa das sugestões finais.

A autonomia energética é crucial?

O caso da dependência de países europeus do gás russo demonstra que a autonomia energética não é somente uma questão económica: é uma matéria de política externa. Por isso, os cidadãos defendem uma “estratégia” para garantir a independência energética da UE e a criação de um organismo europeu que coordene o “desenvolvimento das energias renováveis” em cada um dos Estados-membros.

Como materializar essa “autonomia estratégica”?

Esta autonomia deve ser orientada para as capacidades, recursos e para um conceito integrado e alargado de gestão de crises tendo em vista a resiliência societal”, defende Ana Isabel Xavier, apontando três áreas chave: “segurança no aprovisionamento energético”, uma “resposta concertada em saúde pública” e “uma ambição reforçada em matéria de segurança e defesa” assente numa “base tecnológica e industrial de defesa europeia competitiva”.

Quais as prioridades na política externa?

Para a doutorada em relações internacionais com especialização em assuntos europeus pela Universidade de Coimbra, a “prioridade” da União deve ser a “vizinhança a Leste e a Sul” para “conter o impacto das ameaças externas de natureza cada vez mais transnacional e híbrida”. “A UE tem tido uma extraordinária capacidade de relacionamento bilateral e multilateral com todas as regiões e Estados do mundo, potenciando a sua agenda”, diz, lembrando, contudo, que “no fim do dia tudo deve concorrer para a segurança e integridade dos 27”. “A principal prioridade estratégica da UE em termos de política externa deve ser sempre a da garantia de segurança”, seja em termos de “integridade territorial”, “autonomia de recursos” e “resiliência das sociedades”.

Um exército europeu é a chave para essa defesa?

O debate tem divido os especialistas e tem sido uma das ideias mais defendidas pelos cidadãos nos diferentes fóruns. “Recomendamos que futuras ‘Forças Armadas Conjuntas da União Europeia’ sejam predominantemente utilizadas para fins de autodefesa. Está excluída qualquer acção militar agressiva”, lê-se numa das recomendações do Painel de Cidadãos.

“Realisticamente”, diz Ana Isabel Xavier, a União “é e será sempre uma soma dos seus Estados-membros”. “Não me parece operacionalizável nem a curto ou médio prazo”. Entre os entraves, está a exigência de uma “transferência progressiva e alargada de funções de soberania tradicionais” dos Estados em matéria de defesa, bem como a necessidade de ter um serviço de informações à escala europeia, tema “particularmente sensível”. “Mas a UE pode e deve potenciar a sua estrutura civil e militar de gestão de crises, destacando missões e operações com mais rapidez no processo decisório”.

Como acolher os migrantes?

Outra das recomendações dos cidadãos é a “implementação de uma política de migração conjunta e colectiva na UE, baseada no princípio da solidariedade”, sobretudo devido ao “problema dos refugiados”. Noutra sugestão, os cidadãos querem ainda que a directiva sobre as “normas mínimas” para o acolhimento dos requerentes de asilo seja “substituída por um regulamento comunitário obrigatório, uniformemente aplicável em todos os Estados-membros”.

A UE deve ter uma política comum para os migrantes?

A professora universitária lembra que a “gestão das fronteiras externas da UE é um ponto de relativa convergência” entre os 27, pelo que os “avanços devem continuar por aí”. Se a guerra da Ucrânia continuar, podem chegar sete milhões de refugiados à Europa, o que exige “políticas de acolhimento e integração consensualizadas”. “Receio não ser fácil ultrapassar a manta de retalhos legislativa e a irredutibilidade política que ainda dividem alguns Estados-membros nesta matéria”, avisa.

Fim da unanimidade em decisões para a política externa?

A exigência da unanimidade em matéria de política externa tem sido debatida ao longo dos anos e o utilizador Bruno Gallo Santacruz dá-lhe voz numa ideia submetida na plataforma. “A situação actual baseada na unanimidade permite a um Estado sozinho bloquear uma política comum”, escreve.

Também numa das deliberações do Painel de Cidadãos é defendido que as questões de política externa — à excepção da “entrada de novos membros” ou dos “princípios fundamentais” da UE sejam decididas por “maioria qualificada”. Proposta igualmente defendida por Ana Isabel Xavier: “Seria desejável a nível do Conselho Europeu que algumas decisões fossem mais tomadas por maioria do que por unanimidade”.

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