Juiz do Tribunal da Relação do Porto absolvido de difamação de magistrada

Não ficou provada autoria dos insultos dirigidos a Paula Sá no Facebook através da conta do desembargador Marcolino de Jesus. Supremo Tribunal de Justiça deixou aviso a ambos os magistrados para que refreiem os seus impulsos na litigância um contra o outro.

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Julgamento do caso decorreu no Supremo Tribunal de Justiça Daniel Rocha

O juiz desembargador que dirige uma das secções criminais do Tribunal da Relação do Porto, Marcolino de Jesus, foi absolvido esta sexta-feira da acusação de ter difamado outra magistrada, fazendo insinuações sobre a sua vida privada.

O caso faz parte de uma guerra sem quartel que Marcolino de Jesus mantém há mais de uma década contra a juíza de primeira instância Paula Sá, que exerce no Minho, e que tem dado a origem a variadas acções judiciais um contra o outro. O conflito já alastrou aos seus familiares mais próximos.

Numa peça processual de um desses litígios, o desembargador sexagenário fez alusões à origem da gravidez da sua arqui-inimiga e aos seus “ex-maridos”, numa nota de rodapé que inseriu no documento que entregou em tribunal. Comportamento que tentou justificar com uma carta anónima enviada para o Conselho Superior da Magistratura no Verão de 2013, e cuja autoria assaca a Paula Sá e também a um irmão seu já falecido e com quem mantinha igualmente mau relacionamento. Nessa missiva, além de ser acusado de tráfico de diamantes e de armas o magistrado era tratado por “gajo” – expressão que garante que em Trás-os-Montes, onde nasceu, significa “corno”. Foi para se defender deste epíteto que contra-atacou a juíza, alega. Afirmou também ter ouvido dizer que foi a própria juíza a primeira a falar da origem da sua gravidez no Tribunal de Famalicão, desencadeando falatório entre funcionários, colegas e advogados.

Por outro lado, Paula Sá foi apodada de mentirosa e desonesta num fórum fechado de juízes, através da conta de Facebook de Marcolino de Jesus. E se num primeiro momento o magistrado assumiu a autoria deste comentário, mais tarde mudou de ideias e passou a alegar que foi a esposa que acedeu ao seu portátil e escreveu em seu nome. A mulher do juiz corroborou esta versão dos factos, dizendo que foi mesmo ela a proferir os insultos.

A guerra entre os dois juízes remonta a 2011, altura em que o hoje dirigente do Tribunal da Relação do Porto era inspector judicial e foi encarregado de averiguar se Paula Sá tinha ou não chamado mentiroso, durante uma conversa telefónica, a um colega responsável pela sua avaliação profissional. Descobriu que a magistrada tinha arrolado para testemunhar a seu favor outro juiz que não podia ter ouvido a dita conversa, pela simples razão de estar a presidir a um julgamento à hora a que o diálogo teve lugar.

A magistrada de primeira instância acabou condenada pelo Conselho Superior da Magistratura, por violação do dever de honestidade, mas o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, para o qual recorreu com sucesso desta punição disciplinar, disse que Paula Sá não tinha tido direito a um julgamento justo e equitativo.

Esta sexta-feira o Supremo Tribunal Justiça decidiu que, sendo impossível apurar se Marcolino de Jesus ou a mulher tinham escrito o comentário no Facebook, a única solução possível era ilibar o desembargador deste crime – muito embora tenha sido usado o computador portátil que ambos têm em casa.

Já no que diz respeito às alusões feitas pelo arguido à origem da gravidez da magistrada, os conselheiros do Supremo não consideraram provado que tivessem por objectivo imputar à visada de uma conduta leviana ou de mau porte. Nem, por outro lado, que o termo “gajo” signifique “corno” na região de Bragança, ou que seja sequer uma expressão pejorativa.

A relatora do acórdão, Teresa Féria, disse que por muito que a atitude do juiz fosse socialmente reprovável e eticamente censurável, ela não comprometia a honra de Paula Sá ao ponto de constituir crime. No final, deixou um aviso a ambos os litigantes, para que refreassem os seus ímpetos e não se esquecessem das obrigações que sobre eles impendem pelo facto de serem magistrados. Afinal, concluiu, a sua qualidade de juízes “confere responsabilidade acrescida aos seus actos”.

O Ministério Público, que tinha pedido a condenação do arguido a uma pena de multa, ainda não decidiu se irá recorrer da absolvição. Contactado pelo PÚBLICO, Marcolino de Jesus não quis prestar declarações sobre a sua absolvição.

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