Qual é a raiz quadrada do meu IRS?

Uma grande fatia das pessoas não é nativa em declarações IRS. Nem as palavras utilizadas ajudam. São datadas e pouco perceptíveis ou, como se diz em 2022, não são agradáveis à experiência do utilizador.

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Nuno Ferreira Santos

Dia 1 de Abril é dia das mentiras, mas já ninguém quer saber. Vivemos com demasiadas fake news diárias per capita. Portanto, se há razões para celebrar este dia, que seja o início da entrega das declarações de IRS e dos reembolsos esperançosos que começam a chegar como presentes de Páscoa atrasados. Tenho celebrado efusivamente todos os meus pequenos reembolsos, fruto dos pequenos ordenados que a minha enorme geração recebe e as celebrações começam em duas palavras que carregam um alívio incalculável: “IRS Automático”.

O alívio e alegria que estas palavras provocam devem-se ao simples e amplamente discutido facto: uma grande fatia das pessoas não é nativa em declarações IRS. Nem as palavras utilizadas ajudam. São datadas e pouco perceptíveis ou, como se diz em 2022, não são agradáveis à experiência do utilizador, porque o utilizador não percebe nada sempre que é obrigado a preencher infinitos campos.

Já que não entraram em desuso, podiam ter entrado gloriosamente nos planos curriculares do ensino obrigatório. Eu, aluno de Ciências que ganha a vida a escrever, sei que fiz um percurso em que a mitose da Biologia, as moles da Química e a energia cinética da Física pouco me servem no dia-a-dia. Dão jeito ao pensamento criativo, até porque “o pensamento não ocupa lugar”, mas de nada me servem para entender, financeiramente, a vida adulta.

Hoje, a minha geração, pode ter alguns trabalhadores dependentes cujo rendimento é na totalidade do mesmo empregador. Mas há muitos que não. Há muitos independentes a recibos verdes e actos isolados. Não tenho dados, nem percentagens, mas há também um grande número de trabalhadores que juntam “o melhor de dois mundos”. As aspas são irónicas pois, muitas vezes, é a precariedade e os ordenados reduzidos que nos levam, jovens, a ser freelancers nas horas vagas, enquanto o despertador não toca para o “trabalho principal”.

Assim sendo, destas três categorias apenas uma é a feliz contemplada pela felicidade do “IRS Automático”. Sim, usei “feliz” e “felicidade” numa curta frase porque preencher manualmente uma declaração de IRS é uma actividade que nos rouba quase tanta energia quanto o sangue que um vampiro de um qualquer filme adolescente bebe. Acabei de pintar um cenário pouco bonito, mas é a analogia possível nestes dias duros em que o esperado reembolso se pode transformar num pagamento.

Enquanto os planos curriculares não contemplam o ensino da literacia financeira, seja em que ano for, resta-nos procurar podcasts, artigos, vídeos, workshops e cursos, ou qualquer outro conteúdo que nos consiga elucidar sobre o que raio temos de preencher. Até TikTokers eu já procurei. Durante estas tentativas, é natural que não se saia da cepa torta. Não há forma resolvente que nos resolva esta tortura.

Se isto for o plano A, o plano B é procurar de forma selvagem por um amigo do tio que é filho do pai que tem um amigo que é contabilista. Um contabilista de bom coração que faz este “favorzinho”, que de diminutivo tem muito pouco. Há ainda uma última opção que, em boa verdade, deve substituir a segunda: pagar a alguém que faça isto por nós, ad aeternum (do latim, para sempre). É, sem dúvida, um pagamento tão merecido que se torna num investimento em menos cabelos brancos e rugas de stress.

Gostava de poder dizer o que tanto ouço — “Não percebo nada de contabilidade, sou de Humanidades” —, mas eu sou de Ciências e não vale a pena mentir. Nem a 1 de Abril. Contudo, eu sempre disse, na brincadeira, que a minha mulher de sonho seria fisioterapeuta para me inspirar a fazer muito mais do que faço por mim. Eu sei que em “casa de ferreiro, espeto de pau”, mas sou e estou optimista. Contudo, depois da primeira simulação de IRS, mudei drasticamente de opinião. Contabilistas solteiras, mágicas do IRS, alguém conhece?

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