As infraestruturas como seres vivos

Após observar a destruição das infraestruturas na Ucrânia, pelos bombardeamentos russos, houve uma ideia que nos ocorreu – a destruição das infraestruturas é como uma floresta queimada. Depois de um incêndio, a natureza reconverte naturalmente a paisagem.

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Arco da ponte da Arrábida, entre Porto e Gaia fvl Fernando Veludo/NFACTOS

Theodore von Kármán disse um dia que “o cientista descobre o que existe, enquanto o engenheiro cria o que nunca existiu”.

Embora a ciência e a engenharia sejam conceptualmente campos de atuação distintos, elas estão tradicionalmente juntas no desenvolvimento tecnológico. De um modo geral, a ciência é o estudo do mundo físico, enquanto a engenharia aplica o conhecimento científico para projetar e criar processos, estruturas e sistemas. Tanto os engenheiros como os cientistas precisam de um forte conhecimento de física, química e matemática, mas os engenheiros tendem a aplicar esses princípios para projetar soluções tecnológicas criativas. Há, contudo, sobreposição entre as duas carreiras, pelo que é provável encontrarmos cientistas capazes de projetar e engenheiros capazes de fazer descobertas. Por exemplo, o francês Gustave Eiffel destacou-se na sua carreira profissional como engenheiro-construtor de pontes, mas também como cientista em estudos na área da aerodinâmica.

O engenheiro é essencialmente um ser inovador. Novas tecnologias, em constante desenvolvimento, dão origem a novas ferramentas, novas áreas de trabalho e novas exigências em termos de adequação dos processos com vista à incorporação de novo conhecimento. A conceção e a inovação são, por isso, a base da profissão de um engenheiro, na perspetiva da sua permanente insatisfação na procura de soluções que conduzam a novas abordagens para resolução de problemas cada vez mais complexos da nossa sociedade. O engenho e a arte da humanidade têm conhecido poucos limites. Enquanto a ciência pergunta “porquê?”, o engenheiro questiona “porque não?” no sentido da utilização do conhecimento gerado pela ciência em prol do bem-estar e da segurança das pessoas.

A ciência, a engenharia e a tecnologia têm formado um triângulo de inovação que tem transformado e condicionado o nosso modo de vida. Várias infraestruturas têm sido construídas com vista a garantir o bem-estar e a segurança das populações. Têm sido incorporadas na paisagem, fazendo do todo um só. Fazem parte do nosso dia a dia, sendo dadas por adquiridas e nem sempre devidamente valorizadas. Não damos por elas. Mas alguém consegue imaginar Lisboa sem a Ponte 25 de Abril? O Porto sem a Ponte da Arrábida? São Francisco sem a Golden Gate Bridge? Paris sem a Torre Eiffel? O Alentejo sem a Barragem do Alqueva? Pensamos que não.

A partir do momento que as infraestruturas são construídas, são integradas na paisagem de forma tendencialmente harmoniosa, coabitando com os elementos base da natureza. Os próprios materiais utilizados resultam da transformação de matérias-primas existentes nessa mesma natureza. Por exemplo, o betão resulta essencialmente do calcário. Esta afinidade até nos leva a considerar o betão como uma “pedra artificial”. Estes materiais, depois de devidamente tratados, são integrados na paisagem, fazendo com que o artificial pareça natural.

Será a naturalização das infraestruturas apenas uma constatação semântica? Após observar a destruição das infraestruturas na Ucrânia, através dos sucessivos bombardeamentos russos, houve uma ideia que nos ocorreu – as infraestruturas são elementos “naturais” capazes de se regenerarem e de se transformarem. A destruição das infraestruturas é como uma floresta queimada. Depois de um incêndio, a natureza reconverte naturalmente a paisagem. Há uma regeneração natural da fauna e da flora. Da mesma forma, quando infraestruturas fundamentais de um país são destruídas, de seguida são naturalmente reerguidas, restabelecendo-se o normal funcionamento da sociedade. A engenharia e o desenvolvimento tecnológico agem como os principais atores dessa “naturalização”. Em paralelo, observa-se também que a engenharia promove continuamente um processo de seleção natural onde, ao longo do período de vida útil, infraestruturas obsoletas são substituídas por outras tecnologicamente mais avançadas e funcionais. As infraestruturas são “seres vivos” que se adaptam ao meio ambiente.

Em alinhamento com Theodore von Kármán, com a profunda infraestruturação do nosso planeta e com a “naturalização” das nossas infraestruturas, será que um dia também teremos cientistas a descobrirem o que os engenheiros criaram?

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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