Director do SEF adiou demissão até ao final do mandato do Governo a pedido da ministra, diz MAI

Ministério esclarece que Luís Botelho Miguel já tinha comunicado a decisão de se demitir a Eduardo Cabrita. O despacho de cessação de funções, a pedido do próprio, foi publicado esta terça-feira em Diário da República.

Foto
MAI diz que Luis Botelho Miguel já comunicara a decisão de se demitira ao ex-ministro Eduardo Cabrita LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

O director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), tenente-general Luís Botelho Miguel, pediu a demissão do cargo, segundo noticiou a Rádio Renascença e o PÚBLICO confirmou.

O despacho de cessação de funções, a pedido do próprio, foi publicado esta terça-feira no Diário da República e assinado pela ministra da Administração Interna, Francisca Van Dunem, no dia 28 de Março, produzindo efeitos já a partir de amanhã.

Pouco depois das 20h desta terça-feira, o Ministério da Administração Interna enviou um comunicado no qual garante que “o tenente-general Luís Botelho Miguel cessou, a seu pedido e por razões de ordem pessoal, as funções que vinha exercendo na Direcção Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)”. Explicou também que “a decisão sobre o pedido” foi ainda “formalizada ao então ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita” e que a mesma “foi adiada para o final do mandato do Governo, a pedido da ministra Francisca Van Dunem” que sucedeu a Cabrita no cargo em Dezembro de 2021.

“O Ministério da Administração Interna agradece ao Tenente-General Botelho Miguel a dedicação e o profissionalismo com que exerceu as suas funções, com particular destaque para as últimas semanas, em que foi necessário responder com enorme rapidez ao fluxo de pessoas deslocadas em virtude da guerra na Ucrânia, em que o empenhamento e mobilização do SEF se revelaram centrais”, acrescenta o ministério.

Substituiu Cristina Gatões

Botelho Miguel era director nacional do SEF desde Dezembro de 2020. Foi nomeado para substituir Cristina Gatões, na sequência do escândalo da morte de um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa.

O decreto que define a extinção do SEF foi publicado a 12 de Novembro e a lei ditava que a transferência de competências para a PSP, GNR e PJ tinha de ser completada no prazo de 60 dias. Contudo, a 11 de Janeiro, o Parlamentou aprovou um decreto que estende a duração do SEF até Maio.

Ao que o PÚBLICO apurou, funcionários e inspectores do SEF foram apanhados de surpresa com o anúncio desta demissão e acreditam que o motivo só pode ser a forma como o Governo está a lidar com o processo de extinção daquele serviço.

“Estão em causa mais de 1700 pessoas que não sabem o que lhes vai acontecer depois de Maio e até agora não foram ouvidas e ninguém lhes explicou as opções que têm pela frente”, sublinhou uma fonte do SEF ao PÚBLICO, acrescentando que nem os sindicatos sabem de nada.

Segundo a mesma fonte, tudo o que é documentação das direcções e delegações regionais do SEF já está a ser levada para a sede em Lisboa para se proceder à entrega dos respectivos imóveis, mas os funcionários e inspectores continuam na incerteza. “Ninguém sabe ainda onde vai estar depois de Maio. Estas pessoas têm família”, sublinha.

E se no início das suas funções, em Dezembro de 2020, muitos olharam para o tenente-general Botelho Miguel como o “carrasco” do SEF, uma vez que vinha da GNR e com o processo de extinção já em curso, actualmente a imagem era outra.

“Botelho Miguel surpreendeu pela positiva e deu dignidade a um serviço mal-amado e, mesmo com a extinção sobre a cabeça, muitos foram os que continuaram a desempenhar as suas funções com o mesmo brio profissional de sempre”, alega a mesma fonte, que dá como exemplo o facto de os inspectores se terem voluntariado para ajudar nos processos de entrada dos cidadãos ucranianos nas suas folgas.

Com a saída do director nacional, num clima de muita incerteza, paira nos corredores do SEF a ameaça da convocação de uma greve já para a Páscoa.

Outra questão que estava a causar alguma tensão entre o tenente-general e a tutela está relacionada com o processo de formação de elementos da PSP, GNR e PJ, entidades para onde vão ser transferidas as competências do SEF.

Foi determinado, aparentemente sem consultar o director nacional, fazer um programa de formação de quatro semanas de teoria e duas de prática, como início marcado para 4 de Abril. No entanto, segundo uma fonte do SEF, não há formadores suficientes para dar a formação porque houve muitas recusas.

A juntar a tudo isto, também pesaram questões de saúde. O tenente-general terá sido submetido a uma cirurgia no início do ano, mas terá manifestado intenção em manter-se até ao fim do processo de extinção do SEF. Fonte do SEF contou ao PÚBLICO que o director nacional até regressou mais cedo da baixa médica do que estava previsto.

Agora resta saber quem vai conduzir os trabalhos até à extinção do SEF. Ao que tudo indica essa responsabilidade poderá recair sobre José Luís Barão que exerce funções de director nacional adjunto.

Sublinha “espírito humanista e voluntário” dos elementos do SEF

Ao final do dia, o tenente-general enviou uma mensagem aos dirigentes e funcionários do SEF, na qual diz apenas que cessa funções por razões pessoais e faz elogios à forma como foi recebido na instituição e o esforço que foi feito por todos para responder às solicitações ao mesmo tempo que o processo de extinção ia avançando.

“Não só considero que cumprimos as atribuições emanadas pela tutela como fomos, muitas vezes, mais além, com espírito de missão e em constante inovação”, escreveu, destacando, por exemplo, o facto de o SEF ter montado, no contexto de pandemia global, “uma operação de reposição de controlo de fronteira interna em poucas horas, respondendo pronta e eficazmente às determinações do Governo”.

“Nesta senda, o serviço inovou ao desenvolver, em tempo mínimo, instrumentos auxiliares de controlo de fronteira que facilitaram o trabalho e permitiram antecipar o envio de informação no âmbito de isolamento profiláctico às autoridades de saúde”, lê-se na comunicação.

Botelho Miguel destacou o trabalho feito sob a sua alçada. Recordou que, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, o SEF assumiu um papel fundamental na condução dos trabalhos na área da Administração Interna, presidindo a oito grupos de trabalho. Lembrou também que foi graças ao empenho de todos que “se manteve a funcionalidade de renovação automática de autorizações de residência por força da redução para menos de metade da operação dos balcões e postos de trabalho durante grande parte do tempo” e ainda sublinhou o trabalho feito na investigação criminal em que foram concluídos inquéritos e proposta a acusação em crimes de auxílio à imigração ilegal, falsificação de documentos e tráfico de seres humanos.

“Muitos dos nossos recursos humanos garantiram a realização de missões, ora através de bolsa de peritos ora por concurso, no exercício de cargos em organizações internacionais europeias, sendo amiúde reconhecido o seu valor, entrega e profissionalismo”, lê-se.

Na comunicação, o tenente-general sublinhou também o “espírito humanista e voluntário, característico dos elementos do SEF” que tornou possível, desde muito cedo, iniciar o registo dos cidadãos ucranianos que optaram por Portugal como país de acolhimento.

“Ao longo deste percurso e deste tempo, ninguém regateou disponibilidade, determinação e energia, senti por parte de todos, independentemente da carreira profissional, enorme sentido de responsabilidade, conhecimento das matérias e natural ambição, senti uma força anímica de querer fazer mais e melhor”, escreve o ex-director, acrescentando que, como tal, sentiu “quotidianamente orgulho nos funcionários do SEF”.

E termina com o seguinte: “aprendi a conhecer-vos, a vossa acção desinteressada, a vossa entrega comprometida, o vosso sentido de missão. Reconheço em todos vós portugueses de Camões, de Sophia, de Pessoa”.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários