Entregar armas antes que a segunda vaga desça sobre a Ucrânia

Os ucranianos lutam pelo seu futuro, e pelo nosso. Eles merecem todo o apoio que pudermos garantir.


Quatro semanas após a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, as frentes estão estagnadas. Com excepção da cidade sitiada de Mariupol, as forças russas não fazem progressos. Nos primeiros dias de guerra, o planeamento operacional russo assentou em desejos e deparou-se com uma resistência inesperadamente dura. Agora, grande parte da confiança dos soldados russos nos seus superiores desapareceu, e o caos organizacional a que se assistiu na primeira fase da guerra será difícil de ultrapassar. Esta situação convenceu alguns de que a vitória ucraniana estaria ao seu alcance, enquanto outros acreditam que Putin poderá procurar em breve um compromisso nas negociações.

Mas é demasiado cedo para celebrar. Na verdade, as forças invasoras russas estão numa pausa operacional, mas também tiveram as suas pausas nas guerras no Donbass e na Síria, respectivamente. As pausas não significam que a guerra tenha terminado. Mais ainda, aproxima-se o dia 1 de Abril. Trata-se de uma data importante, em que mais de 100.000 recrutas entram nas forças armadas russas. Do mesmo modo, na véspera, os recrutas do ano passado deixam o serviço militar – ou assinam um contrato com as forças armadas russas para permanecer como “kontraktniki”, ou soldado contratado, para depois serem destacados para o estrangeiro. A propaganda histérica na televisão russa e Putin a enfatizar o “serviço heróico” dos soldados russos numa “operação especial” que está “a decorrer de acordo com o plano” não são mais do que uma tentativa de mobilizar estes jovens para se inscreverem – e uma ordem implícita para os seus superiores os forçarem a voluntariar-se.

Deste modo, haverá uma segunda vaga de ofensiva quando Moscovo puder lançar novas forças para o teatro. As negociações, por um lado, e as ameaças nucleares, por outro, são um desvio do regime russo para manter os europeus esperançosos e nervosos ao mesmo tempo. Moscovo quer que o Ocidente não priorize a entrega de armas, quer pela esperança de uma solução negociada, quer pelo medo de uma guerra nuclear. Nenhum dos dois acontecerá. O Ocidente precisa sim de duplicar as entregas de armas: só se a Ucrânia conseguir combater de igual para igual contra um segundo ataque da Rússia, Putin poderá aceitar o facto de não conseguir atingir os seus objectivos em termos militares. Para tal, a Ucrânia precisa de reabastecer e reequipar as suas forças armadas. Estas quatro semanas foram tremendamente desgastantes.

Ao debater o fornecimento de armas, a discussão no Ocidente ainda é dominada pelas imagens dos meios de comunicação social que recebemos do campo de batalha: conflito urbano, infantaria leve ucraniana a combater tanques russos e veículos blindados. E, enquanto os EUA forneceram mísseis Javelin e o Reino Unido mísseis NLAW que foram cruciais para destruir muitos blindados russos, a verdade é que, para além das cidades e para além do alcance das câmaras dos jornalistas, as forças armadas ucranianas estão a garantir habilmente uma defesa móvel utilizando as suas próprias formações blindadas. Os seus contra-ataques têm sido essenciais para expulsar as forças russas de posições favoráveis e estabilizar as linhas defensivas. Porém, apesar da perícia e bravura dos militares ucranianos, isso teve um custo. Só desde 21 de Março, o projecto Oryx contou 388 veículos blindados de combate ucranianos dados como perdidos.

A defesa aérea é outro aspecto crítico. Até agora, a Ucrânia conseguiu preservar a maioria dos seus mísseis terra-ar (SAM) e aviões pesados​, que ainda representam uma ameaça para os aviões e mísseis de cruzeiro russos. Mas as munições estão a esgotar-se.

Há cerca de duas semanas, o Presidente Biden anunciou uma aproximação aos aliados para enviar os seus stocks de SAM pesados para a Ucrânia. Embora a questão da entrega de MiG-29 polacos tenha sido suspensa, ela poderá ainda ser reavaliada. Mas isto, infelizmente, não é suficiente. Temos uma janela de oportunidade até meados de Abril para reabastecer e reequipar as reservas mecanizadas da Ucrânia. A forma mais rápida e fácil de o fazer é fornecer várias variantes modernizadas de tanques T-72 e outros veículos blindados, sistemas de artilharia e respectivas munições presentes nos arsenais dos membros da NATO a Leste. E, mesmo assim, se estes países tiverem de libertar os seus depósitos de armamento, será preciso destacar equipamento de outras forças aliadas para a Europa de Leste para compensar a saída de material de defesa.

Olhando para além do mês de Abril, outros equipamentos também devem ser considerados. O Estado ucraniano e as suas forças armadas têm resistido muito mais tempo do que a maioria dos analistas ocidentais previam, e assim continuarão por mais algum tempo. Embora sistemas de armamento ocidentais mais sofisticados – como tanques de combate ou sistemas de defesa aérea de médio alcance – precisem de meses para serem eficazes no terreno, dados os preparativos necessários em logística e treino, teremos esses meses ao nosso dispor se começarmos agora a fazer por isso.

Parar o imperialismo e o expansionismo russo na Ucrânia é do nosso melhor interesse. Uma Rússia que saísse vitoriosa desta guerra seria um vizinho altamente indesejado, difícil de dissuadir e de manter sob controlo. Por outro lado, como Putin deu tanta ênfase a fazer do poder militar e da glória a peça central da nova identidade da Rússia, nada mais destruiria a fundação do regime do que a derrota no campo de batalha.

Os ucranianos lutam pelo seu futuro, e pelo nosso. Eles merecem todo o apoio que pudermos garantir.

Gustav Gressel é um membro sénior do programa “Europa alargada” no Conselho Europeu das Relações Exteriores (ECFR)

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